A minha última crónica, de há já quase 2 meses, descrevia uma situação confusa e potencialmente perigosa que se anunciava para a Costa do Marfim. E é o que tem acontecido, com os actores a revelarem uma capacidade de "imaginação" bastante apreciável.
Por enquanto, e após a segunda volta das eleições de dia 28 de Novembro, este país continua com dois presidentes, dois primeiro-ministros, dois governos, dois exércitos. Na luta pelo acesso à presidência, instala-se o caos, a confusão e a dúvida.
E não se olha a meios para atingir fins. Exemplo: o assalto ao BCEAO, que é o banco central dos estados de África Ocidental... e que por azar, tem a sede em Abidjan.
Desde há dois dias eu notava uma actividade crescente em torno do banco, que fica praticamente ao lado de minha casa. Até comentei com alguém que estavam a preparar alguma coisa, o que aconteceu ontem: forças policiais, pro-Gbagbo, simplesmente levaram todo o dinheiro que existia nos cofres.
Custa a acreditar, mas é verdade. Precisam de dinheiro, e estão a ser financeiramente asfixiados porque o controlo das contas do estado foi entregue a Alassane Ouattara e ao seu governo. Último golpe deste último: fechou as exportações de cacau, grande fonte de rendimento, durante um mês. O que, a não haver uma solução para isto tudo, só vai obrigar o lado do Gbagbo a imaginar outro saída. Pobre país.
Ps: como efeito colateral, e sendo a Costa do Marfim o maior produtor mundial de cacau, sobe o preço da matéria prima nos mercados internacionais.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Esperança, frustração, impotência...
A Costa do Marfim atravessa momento delicados, importantes e possivelmente decisivos. Eu tenho acompanhado e vivido tudo, mas sinto que me faltam as palavras para descrever o que se vai passando, provavelmente devido ao misto de frutração e impotência que sinto.
No passado domingo foi a segunda volta das eleições, que foi menos concorrida do que a primeira (cerca de 70% de participação contra 84% a 31 de Outubro) e com muito mais tensão. Apesar dos dispositivos de segurança terem sido reforçados, parece ter havido mais incidentes. As conclusões são díspares: enquanto alguns grupos de observadores dizem que não se poderão considerar eleições democráticas e transparentes, outros dizem que sim. As Nações Unidas alinham pela segunda opinião, não sem notar a ocorrência de alguns incidentes, mas que no global não colocam em causa a validade do escrutínio.
O que se tem passado desde então é quase indescritível, mas parece resumir-se ao seguinte: o actual presidente, Laurent Gbagbo, e candidato à sua sucessão, perdeu para o seu arqui-inimigo Alassane Ouattara. E não obstante as juras de que aceitaria o resultado saído das urnas, não é o que as suas acções demonstram.
A comissão eleitoral, que tinha um prazo de 72h para comunicar os resultados não conseguiu fazê-lo, aparentemente porque os representantos do actual presidente sabotaram o processo para que o assunto passasse para o conselho constitucional, reconhecidamente alinhado com Laurent Gbagbo.
Ontem à tarde, numa cena recambolesca e perante as câmaras da televisão, o porta-voz da comissão eleitoral tentou anunciar os resultados, tendo sido impedido por dois representantes de Gbagbo, que entraram em cena e lhe arrancaram os papéis da mão, garantindo que o prazo de 72h expirasse.
Agora o panorama é o seguinte: desde sábado passado e até próximo domingo pelo menos, está instalado um recolher obrigatório, entre as 19h e as 6h; a comissão eleitoral anunciou esta tarde os resultados, que foram transmitidos pela France24 e iTele, canais que foram por isso cortados; todas as fronteiras (aéreas, terrestres e marítimas) estão fechadas desde as 20h de hoje até nova ordem; a televisão pública passa continuamente apenas e só notícias pró-Gbagbo... Etc, etc, etc.
Isto são coisas que eu conheci pelo que ia lendo nas notícias: recolher obrigatório, controlo de imprensa e informação... mas vivê-lo é completamente diferente.
O que se vai passar, não sei. Mas sei que esta não é a vontade da maioria da população, que saiu massivamente para votar porque estão cansados do que vivem diariamente e querem mudar. Vontade que lhes está a ser minada por um pequeno grupo de pessoas incapaz de largar o poder.
Confesso que por momentos, após a forma como se decorreu a primeira volta e o debate televisivo entre os dois candidatos, pensei que isto pudesse correr bem, esperança que se está a revelar infundada. A minha e a de milhões destas pessoas...
No passado domingo foi a segunda volta das eleições, que foi menos concorrida do que a primeira (cerca de 70% de participação contra 84% a 31 de Outubro) e com muito mais tensão. Apesar dos dispositivos de segurança terem sido reforçados, parece ter havido mais incidentes. As conclusões são díspares: enquanto alguns grupos de observadores dizem que não se poderão considerar eleições democráticas e transparentes, outros dizem que sim. As Nações Unidas alinham pela segunda opinião, não sem notar a ocorrência de alguns incidentes, mas que no global não colocam em causa a validade do escrutínio.
O que se tem passado desde então é quase indescritível, mas parece resumir-se ao seguinte: o actual presidente, Laurent Gbagbo, e candidato à sua sucessão, perdeu para o seu arqui-inimigo Alassane Ouattara. E não obstante as juras de que aceitaria o resultado saído das urnas, não é o que as suas acções demonstram.
A comissão eleitoral, que tinha um prazo de 72h para comunicar os resultados não conseguiu fazê-lo, aparentemente porque os representantos do actual presidente sabotaram o processo para que o assunto passasse para o conselho constitucional, reconhecidamente alinhado com Laurent Gbagbo.
Ontem à tarde, numa cena recambolesca e perante as câmaras da televisão, o porta-voz da comissão eleitoral tentou anunciar os resultados, tendo sido impedido por dois representantes de Gbagbo, que entraram em cena e lhe arrancaram os papéis da mão, garantindo que o prazo de 72h expirasse.
Agora o panorama é o seguinte: desde sábado passado e até próximo domingo pelo menos, está instalado um recolher obrigatório, entre as 19h e as 6h; a comissão eleitoral anunciou esta tarde os resultados, que foram transmitidos pela France24 e iTele, canais que foram por isso cortados; todas as fronteiras (aéreas, terrestres e marítimas) estão fechadas desde as 20h de hoje até nova ordem; a televisão pública passa continuamente apenas e só notícias pró-Gbagbo... Etc, etc, etc.
Isto são coisas que eu conheci pelo que ia lendo nas notícias: recolher obrigatório, controlo de imprensa e informação... mas vivê-lo é completamente diferente.
O que se vai passar, não sei. Mas sei que esta não é a vontade da maioria da população, que saiu massivamente para votar porque estão cansados do que vivem diariamente e querem mudar. Vontade que lhes está a ser minada por um pequeno grupo de pessoas incapaz de largar o poder.
Confesso que por momentos, após a forma como se decorreu a primeira volta e o debate televisivo entre os dois candidatos, pensei que isto pudesse correr bem, esperança que se está a revelar infundada. A minha e a de milhões destas pessoas...
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Finalmente!
As eleições presidenciais na Costa do Marfim, há tanto tempo esperadas, tiveram finalmente lugar no passado domingo, dia 31 de Outubro 2010!
De várias perspectivas, tem sido um período extremamente interessante, pleno de emoções: voltarei a várias delas nas próximas crónicas.
Hoje, aquilo que quero partilhar e destacar é a enorme adesão da população costa marfinense ao escrutínio, que rondou os 80%.
Mas não é o número que mais impressiona. É a vontade das pessoas. Velhos e novos dirigiram-se para os locais de voto 2 e 3 horas antes da abertura, marcada para as 7 da manhã. Algumas pessoas dormiram à porta. Todos queriam votar, e tinham medo de não o conseguir fazer.
E era vê-los, debaixo do sol, em pé ou sentados onde podiam, deixando um espaço aberto por onde passavam as pessoas mais idosas ou grávidas que não podiam esperar. E esperaram horas, sem agressividade ou impaciência exagerada, acima de tudo felizes por poderem participar pela primeira vez numas eleições verdadeiramente livres e democráticas.
Foi assim que às 15h já não havia praticamente ninguém para votar. Por essa hora, tinham-no feito quase cinco milhões de pessoas, que provaram que querem ter liberdade de escolha, que querem paz e que merecem melhores dirigentes. Foi comovente.
De várias perspectivas, tem sido um período extremamente interessante, pleno de emoções: voltarei a várias delas nas próximas crónicas.
Hoje, aquilo que quero partilhar e destacar é a enorme adesão da população costa marfinense ao escrutínio, que rondou os 80%.
Mas não é o número que mais impressiona. É a vontade das pessoas. Velhos e novos dirigiram-se para os locais de voto 2 e 3 horas antes da abertura, marcada para as 7 da manhã. Algumas pessoas dormiram à porta. Todos queriam votar, e tinham medo de não o conseguir fazer.
E era vê-los, debaixo do sol, em pé ou sentados onde podiam, deixando um espaço aberto por onde passavam as pessoas mais idosas ou grávidas que não podiam esperar. E esperaram horas, sem agressividade ou impaciência exagerada, acima de tudo felizes por poderem participar pela primeira vez numas eleições verdadeiramente livres e democráticas.
Foi assim que às 15h já não havia praticamente ninguém para votar. Por essa hora, tinham-no feito quase cinco milhões de pessoas, que provaram que querem ter liberdade de escolha, que querem paz e que merecem melhores dirigentes. Foi comovente.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Anedota?
Algumas coisas parecem anedota, mas não são. Querem um exemplo?
Hoje o dia decorreu normalmente até ao final da tarde. Por volta das 18h, um comunicado emitido na televisão nacional anunciava que os dias de amanhã e quarta-feira seriam considerados feriado. Razão: permitir à população recuperar os seus cartões de identidade e eleitor, cuja operação de distribuição ainda não está concluída, e é essencial para que as eleições de domingo possam ser feitas.
Claro que um anúncio destes, em horário pós-laboral para muitas empresas, criou um enorme rebuliço. Foi preciso reorganizar agendas, equipas, reuniões, serviços mínimos, transportes, pagamentos, entre muito mais coisas.
E isto durou cerca de hora e meia, até que em novo comunicado foi anunciado que afinal os feriados tinham sido desmarcados. E voltou o rebuliço, agora em sentido inverso.
Como não há duas sem três, passada outra hora saiu um terceiro comunicado a marcar feriado para a próxima sexta-feira. Que por enquanto se parece manter...
É certo que as eleições na Costa do Marfim são absolutamente necessárias, e tão importantes para o país e para a região que podem dar alguma perspectiva a estes episódios. Mas espero que a capacidade de decisão e reflexão de quem tem a responsabilidade de levar o país às urnas seja superior aquela que o final de tarde de hoje demonstraram.
Hoje o dia decorreu normalmente até ao final da tarde. Por volta das 18h, um comunicado emitido na televisão nacional anunciava que os dias de amanhã e quarta-feira seriam considerados feriado. Razão: permitir à população recuperar os seus cartões de identidade e eleitor, cuja operação de distribuição ainda não está concluída, e é essencial para que as eleições de domingo possam ser feitas.
Claro que um anúncio destes, em horário pós-laboral para muitas empresas, criou um enorme rebuliço. Foi preciso reorganizar agendas, equipas, reuniões, serviços mínimos, transportes, pagamentos, entre muito mais coisas.
E isto durou cerca de hora e meia, até que em novo comunicado foi anunciado que afinal os feriados tinham sido desmarcados. E voltou o rebuliço, agora em sentido inverso.
Como não há duas sem três, passada outra hora saiu um terceiro comunicado a marcar feriado para a próxima sexta-feira. Que por enquanto se parece manter...
É certo que as eleições na Costa do Marfim são absolutamente necessárias, e tão importantes para o país e para a região que podem dar alguma perspectiva a estes episódios. Mas espero que a capacidade de decisão e reflexão de quem tem a responsabilidade de levar o país às urnas seja superior aquela que o final de tarde de hoje demonstraram.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Brio profissional
Numa das minhas recentes idas ao banco, uma senhora começou a falar inglês comigo. Comigo e com toda a gente, incluindo a gestora de conta, não respondendo a qualquer interpelação em francês.
É verdade que tinha um certo sotaque, mas não mais acentuado do que outras pessoas que tenho encontrado em África, do Gana ou da Nigéria, por exemplo.
Por isso mesmo perguntei à gestora de conta se ela era de um desses países, mas não. É costa-marfinense, mas dá umas aulas de inglês. Isto é que é brio profissional!
É verdade que tinha um certo sotaque, mas não mais acentuado do que outras pessoas que tenho encontrado em África, do Gana ou da Nigéria, por exemplo.
Por isso mesmo perguntei à gestora de conta se ela era de um desses países, mas não. É costa-marfinense, mas dá umas aulas de inglês. Isto é que é brio profissional!
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Cartão de memória
Os senhores polícias conseguem sempre surpreender. E sem perderem a compostura!
Há um local na ida para o trabalho onde eles costumam estar a fazer dinheiro, multando as pessoas por excesso de velocidade. O radar fica no meio das plantas dum horto ao pé da estrada, e a velocidade máxima é 60 km/h.
Pois recentemente, ainda que circulassemos a cerca de 45 km/h (é sempre bom dar uma margem), fomos parados. Motivo: excesso de velocidade, claro. E que velocidade? Tivemos duas versões: uma de 73 km/h e outra de 71 km/h...
Perante o ridículo da situação, e imagino que já sem saber o que dizer, o polícia avançou com uma explicação: os velocímetros dos carros cometem erros! Uma diferença de 25 km/h!!
Eu ri-me. E ele disse que se não quisessemos pagar ali, podiamos ir no dia seguinte à esquadra ver a fotografia, confirmar e recuperar a carta de condução do condutor.
Terminado? Evidente que não. No dia seguinte, na esquadra, podia ver-se a fotografia mas não naquele momento, porque o aparelho de radar tem um cartão de memória que tinha sido levado por outro agente. Pois...
Há um local na ida para o trabalho onde eles costumam estar a fazer dinheiro, multando as pessoas por excesso de velocidade. O radar fica no meio das plantas dum horto ao pé da estrada, e a velocidade máxima é 60 km/h.
Pois recentemente, ainda que circulassemos a cerca de 45 km/h (é sempre bom dar uma margem), fomos parados. Motivo: excesso de velocidade, claro. E que velocidade? Tivemos duas versões: uma de 73 km/h e outra de 71 km/h...
Perante o ridículo da situação, e imagino que já sem saber o que dizer, o polícia avançou com uma explicação: os velocímetros dos carros cometem erros! Uma diferença de 25 km/h!!
Eu ri-me. E ele disse que se não quisessemos pagar ali, podiamos ir no dia seguinte à esquadra ver a fotografia, confirmar e recuperar a carta de condução do condutor.
Terminado? Evidente que não. No dia seguinte, na esquadra, podia ver-se a fotografia mas não naquele momento, porque o aparelho de radar tem um cartão de memória que tinha sido levado por outro agente. Pois...
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Eleições e preparativos para eleições
No final deste mês, a Costa do Marfim viverá a primeira volta das eleições presidenciais. Finalmente!
Claro que tudo pode mudar, como já aconteceu por diversas vezes (algumas deles eu já cá estava). Mas desta vez as opções parecem não ser muitas: o essencial está feito (como listas eleitorais e cartões de eleitor), a pressão internacional é enorme, e até a Guiné Conakry, com todos os seus problemas, conseguiu organizar eleições...
Assim, a generalidade da população parece estar convencida que desta é que é, embora temam algumas escaramuças. De que gravidade, ninguém pode ter a certeza, mas com as experiências passadas, a reacção é a que imaginam: fazem-se malas, reservam-se viagens, diminui o comércio, compra-se comida e água de reserva...
Apesar desses preparativos, a vida continua com aparente normalidade. Esperemos que assim continue, e que tudo se passe bem para este país poder avançar.
Claro que tudo pode mudar, como já aconteceu por diversas vezes (algumas deles eu já cá estava). Mas desta vez as opções parecem não ser muitas: o essencial está feito (como listas eleitorais e cartões de eleitor), a pressão internacional é enorme, e até a Guiné Conakry, com todos os seus problemas, conseguiu organizar eleições...
Assim, a generalidade da população parece estar convencida que desta é que é, embora temam algumas escaramuças. De que gravidade, ninguém pode ter a certeza, mas com as experiências passadas, a reacção é a que imaginam: fazem-se malas, reservam-se viagens, diminui o comércio, compra-se comida e água de reserva...
Apesar desses preparativos, a vida continua com aparente normalidade. Esperemos que assim continue, e que tudo se passe bem para este país poder avançar.
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