O dinheiro é, sem dúvida, uma forte motivação. Podendo não ser um princípio, é claramente um meio e um fim, num ciclo que se espera autosustentável. O problema é o princípio...
Enquanto nós, provenientes de economias ditas desenvolvidas, achamos que no princípio está o trabalho, o mérito, aqui muitas pessoas parecem ter descoberto um princípio bem mais simples: o dinheiro que os outros têm. E assim, em muitos casos não fazendo absolutamente nada, julgam-se credores dos outros e agem como tal, pressionam psicologicamente... São cobradores do fraque mentais.
Conheci no hotel umas pessoas que, estando cá de passagem, começaram a dar dinheiro em abundância (para os padrões). Enquanto o fizeram, tinham passadeiras vermelhas estendidas sempre que apareciam. Até que, no dia em que acharam que se tornara um exagero, pararam. E assim as passadeiras vermelhas se transformaram num corredor da morte, com direito a pelotão de fuzilamento visual e sensação de caloteiro.
Mas não são apenas os estrangeiros que sofrem com isto. Muitos dos locais que trabalham e ganham decentemente, têm a seu cargo toda a família (TODA a família), que espera deles o suporte necessário. Já conheci mais do que um caso desses. Ainda não percebi a origem deste fenómeno, porque não acho que seja simplesmente uma deliberada vontade de não trabalhar. Talvez seja levar ao extremo as ideias de que no início não havia nada e que o simples é normalmente o melhor.
quarta-feira, 30 de julho de 2008
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Quantas vidas tem um carro?
Quando olho com atenção para os veículos que circulam em Abidjan, vejo muito mais do que apenas uma intensa nuvem de fumo, sinal de protesto de viaturas que já não pertencem à estrada.
A traseira dos carros, então, apresenta muitas vezes resquícios duma vida anterior, passada nas amenas estradas europeias. Símbolos ocos da independência basca ou declarações simples de países soberanos ("NL" ou "D" são relativamente frequentes), cada símbolo é um pedigree, é uma cédula de origem, é uma ligação ao passado. Não tão raro quanto isso, também tenho visto os familiares Mercedes de cor beje, provável anterior propriedade dum qualquer Manuel ou Joaquim e com muitos quilómetros de ENs, IPs, As e ICs.
Por mais improvável que pareça, existe sempre alguém, algures, disposto a usar aquilo que a outros já parece obsoleto ou ultrapassado. Claro que essa disposição está intimamente ligada ao panorama económico, e assim se criam mercados que são depósitos de lixo em cascata. O que acho curioso, é que se mantém ao longo dessa cascata um sentido estético que pode ser bizarro aos nossos olhos, mas não deixa de ser uma tentativa de melhorar o ambiente que nos rodeia. Assim, se em carros novos se presta atenção às jantes especiais ou ao tecido dos estofos, em carros muito velhos fazem-se pinturas e penduram-se as mais variadas peças no interior. E, no limite do improvável, lá vão circulando em direcção a uma oitava vida.
A traseira dos carros, então, apresenta muitas vezes resquícios duma vida anterior, passada nas amenas estradas europeias. Símbolos ocos da independência basca ou declarações simples de países soberanos ("NL" ou "D" são relativamente frequentes), cada símbolo é um pedigree, é uma cédula de origem, é uma ligação ao passado. Não tão raro quanto isso, também tenho visto os familiares Mercedes de cor beje, provável anterior propriedade dum qualquer Manuel ou Joaquim e com muitos quilómetros de ENs, IPs, As e ICs.
Por mais improvável que pareça, existe sempre alguém, algures, disposto a usar aquilo que a outros já parece obsoleto ou ultrapassado. Claro que essa disposição está intimamente ligada ao panorama económico, e assim se criam mercados que são depósitos de lixo em cascata. O que acho curioso, é que se mantém ao longo dessa cascata um sentido estético que pode ser bizarro aos nossos olhos, mas não deixa de ser uma tentativa de melhorar o ambiente que nos rodeia. Assim, se em carros novos se presta atenção às jantes especiais ou ao tecido dos estofos, em carros muito velhos fazem-se pinturas e penduram-se as mais variadas peças no interior. E, no limite do improvável, lá vão circulando em direcção a uma oitava vida.
O custo de oportunidade dum sofá
Abidjan é uma cidade cara. Um litro de leite custa 1,25€, uma baguete cerca de 0,25€, uma pizza 10 a 12€. Para a roupa nem vale a pena olhar, e os aparelhos electrónicos têm preços semelhantes aos praticados no Porto. Nesta fase em que tenho um apartamento para mobilar, dei comigo na Ikea aqui da região, de seu nome Orca, a olhar para sofás de mais de 2500€ e camas de aglomerado de madeira de 1800€. Foi então que decidi ir aos pequenos produtores locais, cujos estabelecimentos (produção e promoção) são literalmente à face da rua, e rapidamente percebi que aí os preços eram substancialmente menos europeus.
Encontrei um fabricante de móveis, o Sr. Moussou, que teve a amabilidade de não inflacionar os preços para além do imaginável, mesmo perante um estrangeiro. E claro, sempre sujeito a negociação. A verdade é que assim comprei duas camas em madeira maciça e estabelecemos um acordo de cavalheiros (selado com um forte e prolongado aperto de mão, que termina normalmente num estalido de dedos) para a decoração do apartamento todo. Amanhã vamos tirar medidas. Eu tenho a ideia do que quero, ele tem a habilidade para o fazer, e idiotas e habilidosos sempre se deram bem...
A cereja no topo do bolo é que vou fazer isto tudo por menos dum sofá. Descobri o meu fabricante de móveis. Ou devo antes dizer o fabricante dos meus móveis?
Encontrei um fabricante de móveis, o Sr. Moussou, que teve a amabilidade de não inflacionar os preços para além do imaginável, mesmo perante um estrangeiro. E claro, sempre sujeito a negociação. A verdade é que assim comprei duas camas em madeira maciça e estabelecemos um acordo de cavalheiros (selado com um forte e prolongado aperto de mão, que termina normalmente num estalido de dedos) para a decoração do apartamento todo. Amanhã vamos tirar medidas. Eu tenho a ideia do que quero, ele tem a habilidade para o fazer, e idiotas e habilidosos sempre se deram bem...
A cereja no topo do bolo é que vou fazer isto tudo por menos dum sofá. Descobri o meu fabricante de móveis. Ou devo antes dizer o fabricante dos meus móveis?
domingo, 27 de julho de 2008
Dupla hélice
Em 1953, James Watson e Francis Crick desvendaram a estrutura do DNA, após uma importante contribuição da photo 51, obtida no ano anterior por Rosalind Franklin.
O DNA é, simultaneamente, início e destino, porto de partida e de abrigo. Sob a batuta invisível dum qualquer Demétrio de Falero, organiza-se dum modo muito particular e dá origem a cada um de nós; este é o início. Depois, define em grande medida como crescemos, vivemos e morremos; este é o fim. Mas será que existe DNA para a alma?
A interrogação surge-me por causa da música, que ouço sempre que estou em casa. A menos que me apeteça ouvir algo específico, costumo correr em modo aleatório as 700 músicas que tenho no iPod. E nenhuma desperta em mim a mesma sensação que os acordes da guitarra portuguesa, do que o fado. O curioso disto tudo é que nem é um estilo de música que ouça amiúde, em Portugal. Imagino que seja o síndrome do desprezo de proximidade... Mas aqui não consigo deixar de sentir que a restante música é emprestada, é música de outros que eu me atrevo a ouvir, e me concedo apreciar. É a minha música lamarckiana. Em oposição, o trinado da guitarra portuguesa é fisiológico, é genético, é intrínseco. É uma via aberta para a Ribeira do Porto, para o Cais das Pedras, para as pequenas adegas com paredes de pedra e bancos corridos. Não sei que mecanismo explica isto, mas talvez o sentimento dum povo também tenha dupla hélice.
O DNA é, simultaneamente, início e destino, porto de partida e de abrigo. Sob a batuta invisível dum qualquer Demétrio de Falero, organiza-se dum modo muito particular e dá origem a cada um de nós; este é o início. Depois, define em grande medida como crescemos, vivemos e morremos; este é o fim. Mas será que existe DNA para a alma?
A interrogação surge-me por causa da música, que ouço sempre que estou em casa. A menos que me apeteça ouvir algo específico, costumo correr em modo aleatório as 700 músicas que tenho no iPod. E nenhuma desperta em mim a mesma sensação que os acordes da guitarra portuguesa, do que o fado. O curioso disto tudo é que nem é um estilo de música que ouça amiúde, em Portugal. Imagino que seja o síndrome do desprezo de proximidade... Mas aqui não consigo deixar de sentir que a restante música é emprestada, é música de outros que eu me atrevo a ouvir, e me concedo apreciar. É a minha música lamarckiana. Em oposição, o trinado da guitarra portuguesa é fisiológico, é genético, é intrínseco. É uma via aberta para a Ribeira do Porto, para o Cais das Pedras, para as pequenas adegas com paredes de pedra e bancos corridos. Não sei que mecanismo explica isto, mas talvez o sentimento dum povo também tenha dupla hélice.
sábado, 26 de julho de 2008
Padrões
A presença de polícia nas estradas de Abidjan é uma constante, sobretudo à noite. Por isso, é também uma constante a paragem em operações STOP. Neste primeiro mês contei 6...
O mais curioso é que não há verdadeiramente um padrão nestas operações. Na primeira, o condutor mostrou todos os documentos do carro, os documentos dele, respondeu a umas perguntas e fomos embora. Na segunda, o condutor foi tão simpático a cumprimentar o agente (o que aqui não é nada normal) que bastou: o homem ficou tão surpreendido que imediatamente nos mandou seguir. A terceira pagamos, confesso. Contribuimos assim para o bilião e meio de FCFA que entram directamente nos bolsos destas autoridades por ano, o que já motivou a intervenção de várias personalidades nacionais e internacionais para tentar acalmar este mercado. A quarta foi um misto da abordagem "simpatia" e "mostrar os documentos todos". A quinta deu discussão, sobre quem deveria abrir a mala, se o polícia, se o condutor. E na sexta, o agente anunciou que teriamos de pagar uma multa por não estarmos a usar cinto de segurança, que não é obrigatório. A este o condutor disse-lhe para lhe passar a multa que a iamos pagar à esquadra; o polícia insistiu que tinhamos de pagar; e o condutor levantou-lhe a voz e disse para lhe devolver os documentos que íamos embora. E fomos...
O mais curioso é que não há verdadeiramente um padrão nestas operações. Na primeira, o condutor mostrou todos os documentos do carro, os documentos dele, respondeu a umas perguntas e fomos embora. Na segunda, o condutor foi tão simpático a cumprimentar o agente (o que aqui não é nada normal) que bastou: o homem ficou tão surpreendido que imediatamente nos mandou seguir. A terceira pagamos, confesso. Contribuimos assim para o bilião e meio de FCFA que entram directamente nos bolsos destas autoridades por ano, o que já motivou a intervenção de várias personalidades nacionais e internacionais para tentar acalmar este mercado. A quarta foi um misto da abordagem "simpatia" e "mostrar os documentos todos". A quinta deu discussão, sobre quem deveria abrir a mala, se o polícia, se o condutor. E na sexta, o agente anunciou que teriamos de pagar uma multa por não estarmos a usar cinto de segurança, que não é obrigatório. A este o condutor disse-lhe para lhe passar a multa que a iamos pagar à esquadra; o polícia insistiu que tinhamos de pagar; e o condutor levantou-lhe a voz e disse para lhe devolver os documentos que íamos embora. E fomos...
sexta-feira, 25 de julho de 2008
Páginas viradas
Após um email dum colega de MBA, que se referia ao encerramento oficial do ano lectivo, apercebi-me que essa era uma página que ainda não estava totalmente virada na minha vida. E isso fez-me pensar um pouco no que foi o meu último ano.
Em finais de Julho do ano passado já sabia que o meu futuro próximo passaria pela frequência do MBA. Estava, por isso, em despedida do meu anterior trabalho e em preparação dumas férias para recarregar baterias. No dia 31 de Agosto começou o MBA, e pouco depois a época do futebol. Não satisfeito, inscrevi-me num curso de teatro que começou no início de Outubro. Assim, fiel à minha mania de honrar os compromissos, foi um ano que passei a correr. Literalmente. Aulas, trabalhos, exames, treinos, jogos, ensaios, a sequência parecia imparável. Foi um ano sempre em excesso de velocidade, foi o meu ano de fora-da-lei.
Agora o MBA terminou; e estou em Abidjan. O mesmo aconteceu com o futebol; e ganhámos o campeonato. E com o teatro; e fizemos uma bela representação final! Foi um ano comprido. Foi um ano cheio. Foi um ano em grande!
Em finais de Julho do ano passado já sabia que o meu futuro próximo passaria pela frequência do MBA. Estava, por isso, em despedida do meu anterior trabalho e em preparação dumas férias para recarregar baterias. No dia 31 de Agosto começou o MBA, e pouco depois a época do futebol. Não satisfeito, inscrevi-me num curso de teatro que começou no início de Outubro. Assim, fiel à minha mania de honrar os compromissos, foi um ano que passei a correr. Literalmente. Aulas, trabalhos, exames, treinos, jogos, ensaios, a sequência parecia imparável. Foi um ano sempre em excesso de velocidade, foi o meu ano de fora-da-lei.
Agora o MBA terminou; e estou em Abidjan. O mesmo aconteceu com o futebol; e ganhámos o campeonato. E com o teatro; e fizemos uma bela representação final! Foi um ano comprido. Foi um ano cheio. Foi um ano em grande!
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Uma questão de espaço
Abidjan tem cerca de 4 milhões de habitantes, muitos deles sem meio de transporte próprio. Assim, as deslocações são asseguradas por uma variedade de veículos. Existem os autocarros públicos, da Sotra (aparentada à STCP, mas sem autocarros a hidrogénio). Depois existem os táxis, os woro-woro e os gbaka-gbaka.
Os táxis funcionam no sistema de taxímetro, em que se paga o tempo da corrida. Aqui são vermelhos (mais ou menos desbotado, consoante o quão curtida estiver a chapa). Os woro-woro são, tal como os táxis, carros de 5 lugares (reparem que não disse 5 passageiros), e que podem ser verdes ou amarelos, consoante a zona. Fazem determinados percursos e têm uma tarifa única. Presumo que será uma versão menos sofisticada dos Zs do Metro do Porto. Finalmente, os gbaka-gbaka. Estes são carrinhas tipo Toyota Hyace, com uma indicação atrás: 18 lugares!! E é nestas carrinhas que as pessoas andam, ora dentro, ora em cima do tejadilho, ora agarradas às portas laterais ou traseiras. Ao capot ainda não vi.
Entre todos os referidos veículos existem três pontos em comum. Primeiro a idade, que é muita. Depois o estado, que é muito mau. E finalmente a lotação, que é em excesso. Apesar disso, e espantosamente, é raro ver-se um acidente. Deve ser por não existirem marcações na estrada, assim há mais espaço...
Os táxis funcionam no sistema de taxímetro, em que se paga o tempo da corrida. Aqui são vermelhos (mais ou menos desbotado, consoante o quão curtida estiver a chapa). Os woro-woro são, tal como os táxis, carros de 5 lugares (reparem que não disse 5 passageiros), e que podem ser verdes ou amarelos, consoante a zona. Fazem determinados percursos e têm uma tarifa única. Presumo que será uma versão menos sofisticada dos Zs do Metro do Porto. Finalmente, os gbaka-gbaka. Estes são carrinhas tipo Toyota Hyace, com uma indicação atrás: 18 lugares!! E é nestas carrinhas que as pessoas andam, ora dentro, ora em cima do tejadilho, ora agarradas às portas laterais ou traseiras. Ao capot ainda não vi.
Entre todos os referidos veículos existem três pontos em comum. Primeiro a idade, que é muita. Depois o estado, que é muito mau. E finalmente a lotação, que é em excesso. Apesar disso, e espantosamente, é raro ver-se um acidente. Deve ser por não existirem marcações na estrada, assim há mais espaço...
quarta-feira, 23 de julho de 2008
Distâncias
O meu conceito de distância mudou. Não que tenha inventado uma nova unidade de medida: as que temos chegam e eu sou muito mais básico do que isso. Mas se antes percorria quilómetros, hoje percorro dias. A minha distância está no calendário, sou um viajante no tempo.
Curiosamente, o que me chamou a atenção para isto foi ter falado com a minha avó via Skype, ontem. O facto, em si mesmo, não tem nada de especial. Mas a minha avó nasceu antes de aparecer a televisão; nasceu no ano da primeira radiotransmissão no Brasil. Se para mim aquela chamada foi apenas um momento agradável, um momento de partilha, um pedaço de casa, para a minha avó foi um acontecimento, a concretização do imaginário, foi o seu Nautilus de Verne. E assim, à sua maneira e fazendo uso da memória, também a minha avó é viajante no tempo. A sua vida salta barreiras, liga gerações, compara o que "era" ao que "é".
Quando da próxima vez me perguntarem a distância do Porto a Lisboa, não se admirem se eu responder "3 horas". Ou serão 3 segundos?
Curiosamente, o que me chamou a atenção para isto foi ter falado com a minha avó via Skype, ontem. O facto, em si mesmo, não tem nada de especial. Mas a minha avó nasceu antes de aparecer a televisão; nasceu no ano da primeira radiotransmissão no Brasil. Se para mim aquela chamada foi apenas um momento agradável, um momento de partilha, um pedaço de casa, para a minha avó foi um acontecimento, a concretização do imaginário, foi o seu Nautilus de Verne. E assim, à sua maneira e fazendo uso da memória, também a minha avó é viajante no tempo. A sua vida salta barreiras, liga gerações, compara o que "era" ao que "é".
Quando da próxima vez me perguntarem a distância do Porto a Lisboa, não se admirem se eu responder "3 horas". Ou serão 3 segundos?
terça-feira, 22 de julho de 2008
Prioridades
Enquanto não mudo para o "meu" apartamento, vivo ainda no hotel. E o meu quarto tem uma particularidade muito interessante: as tomadas, embora sirvam para ligar candeeiros normais, não aguentam aparelhos que sejam um pouco mais exigentes. Assim, o aparelho de internet wireless que o hotel cede teve de ficar no corredor. Como consequência, para trabalhar ou para escrever para o blog, tenho de estar à porta do quarto (da parte de dentro, ainda assim). Aliás, já desloquei para aqui a mesa e um sofá, num restyling um bocado bizarro.
Ora, durante o dia de hoje, estava eu na azáfama dos emails e chamadas via Skype, quando a internet foi abaixo, acontecimento logo acompanhado pelo ruído dum aspirador. Está bom de ver: o senhor da limpeza tinha uma tarefa a cumprir, e o meu trabalho não é mais importante do que o dele. A chamada até era importante, mas não pude deixar de me rir.
Ora, durante o dia de hoje, estava eu na azáfama dos emails e chamadas via Skype, quando a internet foi abaixo, acontecimento logo acompanhado pelo ruído dum aspirador. Está bom de ver: o senhor da limpeza tinha uma tarefa a cumprir, e o meu trabalho não é mais importante do que o dele. A chamada até era importante, mas não pude deixar de me rir.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Economia de sobrevivência
Hoje foi um dia duro. Na realidade, foi o primeiro dia em que me senti a lutar contra o calor e a humidade de Abidjan. Se até agora tinha sido um convívio pacífico, hoje tive uma pequena amostra do que serão os próximos meses. Julgo que foi simpático da parte do Tempo, levantar um pouco o véu antes de me atropelar verdadeiramente...
Por isso e pela quantidade de trabalho (a somar a uma noite muito mal dormida), estou absolutamente exausto. Assim, vou apenas relatar um pequeno episódio que me ocorreu recentemente que julgo revelador das capacidades (ou aliás, habilidades) desenvolvidas por uma verdadeira economia de sobrevivência.
Quando desci para tomar o pequeno-almoço, no fim-de-semana, o empregado que lá está todos os dias disse-me "Essa tshirt é muito bonita". Percebendo qual o objectivo da interpelação, apressei-me a dar-lhe uma óptima razão para não lha oferecer: "É, foi o meu padrinho que ma ofereceu antes de eu vir. Tem um grande valor sentimental!". Ainda mais depressa do que a minha resposta veio o contra-ataque: "Pois se lha deu antes de vir, tem de a deixar antes de ir embora!".
Fiquei sem argumentos. Mas também fiquei com a camisola...
Por isso e pela quantidade de trabalho (a somar a uma noite muito mal dormida), estou absolutamente exausto. Assim, vou apenas relatar um pequeno episódio que me ocorreu recentemente que julgo revelador das capacidades (ou aliás, habilidades) desenvolvidas por uma verdadeira economia de sobrevivência.
Quando desci para tomar o pequeno-almoço, no fim-de-semana, o empregado que lá está todos os dias disse-me "Essa tshirt é muito bonita". Percebendo qual o objectivo da interpelação, apressei-me a dar-lhe uma óptima razão para não lha oferecer: "É, foi o meu padrinho que ma ofereceu antes de eu vir. Tem um grande valor sentimental!". Ainda mais depressa do que a minha resposta veio o contra-ataque: "Pois se lha deu antes de vir, tem de a deixar antes de ir embora!".
Fiquei sem argumentos. Mas também fiquei com a camisola...
domingo, 20 de julho de 2008
O meu arco
Na superfície duma esfera, a ligação mais curta entre dois pontos é o arco dum Círculo Máximo. Actualmente, o meu arco tem pouco mais de 4000 km, ou seja, cerca de 10% do perímetro da Terra. É a distância entre o Porto e Abidjan.
Fazendo um exercício de proporções, a mudança para Abidjan é uma negação de mim mesmo. Senão vejamos: a minha metade (aquela que segundo Aristófanes nos conduz à antiga natureza) está no Porto. Logo aí ficou 50% de mim. Se a estes juntarmos amigos, família e mesmo aqueles de quem não gostamos (mas que nos ajudam a definir-nos), conclui-se que foi uma ínfima parte de mim que veio para esta cidade. Então, porquê fazê-lo?
A resposta mais simples que me ocorre para esta pergunta é que a minha vida é macaca: atiro a pedra para a frente e depois vou atrás dela, na melhor possibilidade dos equilíbrios. É, por isso, um exercício constante de definição de objectivos e superação de limites, que nem sempre parecem atingíveis e que por isso mesmo são tão aliciantes. Não deixa de ser curioso resumirmos a nossa vida a um popular jogo de crianças; não deixa de ser reconfortante saber que esse jogo tem a casa "Céu".
Sei à partida que aquele meu pedaço que ficou em Portugal continuará a existir. Portanto, é claro para mim que estar aqui é caminhar no sentido de expandir o meu todo, de ultrapassar a minha unidade, os meus 100%: é uma adição, uma construção sobre aquilo que já sou. Se é verdade que estou e vou sentir falta daquilo que já tenho, no final desta missão terei muito mais coisas das quais sentir saudade. Julgo que esta é uma boa forma de medirmos a nossa riqueza.
Quanto a este blog, espero que possa ser de facto um espaço de partilha, de contacto e de interactividade. Tentarei ser suficientemente disciplinado para o alimentar e manter, sem contudo prometer uma "refeição" diária. Isso é algo que está, seguramente, para além dos meus limites.
Fazendo um exercício de proporções, a mudança para Abidjan é uma negação de mim mesmo. Senão vejamos: a minha metade (aquela que segundo Aristófanes nos conduz à antiga natureza) está no Porto. Logo aí ficou 50% de mim. Se a estes juntarmos amigos, família e mesmo aqueles de quem não gostamos (mas que nos ajudam a definir-nos), conclui-se que foi uma ínfima parte de mim que veio para esta cidade. Então, porquê fazê-lo?
A resposta mais simples que me ocorre para esta pergunta é que a minha vida é macaca: atiro a pedra para a frente e depois vou atrás dela, na melhor possibilidade dos equilíbrios. É, por isso, um exercício constante de definição de objectivos e superação de limites, que nem sempre parecem atingíveis e que por isso mesmo são tão aliciantes. Não deixa de ser curioso resumirmos a nossa vida a um popular jogo de crianças; não deixa de ser reconfortante saber que esse jogo tem a casa "Céu".
Sei à partida que aquele meu pedaço que ficou em Portugal continuará a existir. Portanto, é claro para mim que estar aqui é caminhar no sentido de expandir o meu todo, de ultrapassar a minha unidade, os meus 100%: é uma adição, uma construção sobre aquilo que já sou. Se é verdade que estou e vou sentir falta daquilo que já tenho, no final desta missão terei muito mais coisas das quais sentir saudade. Julgo que esta é uma boa forma de medirmos a nossa riqueza.
Quanto a este blog, espero que possa ser de facto um espaço de partilha, de contacto e de interactividade. Tentarei ser suficientemente disciplinado para o alimentar e manter, sem contudo prometer uma "refeição" diária. Isso é algo que está, seguramente, para além dos meus limites.
Subscrever:
Mensagens (Atom)