segunda-feira, 28 de julho de 2008

Quantas vidas tem um carro?

Quando olho com atenção para os veículos que circulam em Abidjan, vejo muito mais do que apenas uma intensa nuvem de fumo, sinal de protesto de viaturas que já não pertencem à estrada.
A traseira dos carros, então, apresenta muitas vezes resquícios duma vida anterior, passada nas amenas estradas europeias. Símbolos ocos da independência basca ou declarações simples de países soberanos ("NL" ou "D" são relativamente frequentes), cada símbolo é um pedigree, é uma cédula de origem, é uma ligação ao passado. Não tão raro quanto isso, também tenho visto os familiares Mercedes de cor beje, provável anterior propriedade dum qualquer Manuel ou Joaquim e com muitos quilómetros de ENs, IPs, As e ICs.
Por mais improvável que pareça, existe sempre alguém, algures, disposto a usar aquilo que a outros já parece obsoleto ou ultrapassado. Claro que essa disposição está intimamente ligada ao panorama económico, e assim se criam mercados que são depósitos de lixo em cascata. O que acho curioso, é que se mantém ao longo dessa cascata um sentido estético que pode ser bizarro aos nossos olhos, mas não deixa de ser uma tentativa de melhorar o ambiente que nos rodeia. Assim, se em carros novos se presta atenção às jantes especiais ou ao tecido dos estofos, em carros muito velhos fazem-se pinturas e penduram-se as mais variadas peças no interior. E, no limite do improvável, lá vão circulando em direcção a uma oitava vida.

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