sábado, 28 de fevereiro de 2009

Impermeabilidade

Muitas foram as vezes, enquanto joguei futebol, que precisei de sacos de plástico para fazer gelo em alguma das tantas mazelas que fui tendo. E o grande drama era encontrar um saco que, desde que devidamente fechado, não deixasse passar a água. A taxa de sucesso não era invejável...
Por isso, fico sempre surpreendido com a água vendida em sacos aqui. Quando aqui cheguei, achava estranho ver algumas pessoas com um plástico pendurado na boca, até que percebi que eram sacos de água. Muito práticos para arrumar, mais baratos e muito práticos para atirar para o chão.
Além dos sacos de água "home made", ou de marca branca, existem mesmo sacos de Awa, por exemplo. Será comparável a termos sacos de Luso ou Vitalis. E sempre que os vejo, não consigo deixar de invejar a impermeabilidade, aquela que nem sempre tive quando precisei.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Apetece-me...

Hoje apetecem-me coisas simples. Apetece-me um banho de imersão acompanhado de boa música. Apetece-me ir a pé tomar café após o jantar. Apetece-me conduzir a 50 km/h. Apetece-me ver o telejornal com os pés em cima do sofá. Apetece-me brincar com um cão. Apetece-me ir descalço espreitar mais uma vez o que há no frigorífico. Apetece-me esperar na caixa "Menos de 15 unidades" do supermercado. Apetece-me passar à porta dos "Cafés Cristina" e cheirar o café torrado. Apetece-me estar em silêncio com as pessoas de quem gosto!
Do que não me apetece, não me apetece falar.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Época de chuvas

A época de chuvas começa a fazer-se sentir. De há uns dias para cá, o tempo tem estado especialmente abafado, naquilo que normalmente identificamos em Portugal como "tempo de trovoada".
E não é apenas o nome: a trovoada tem efectivamente marcado presença, sendo um espectáculo digno de se ver durante a noite, com relâmpagos em simultâneo reflectidos nas nuvens que carregam o céu. E hoje choveu torrencialmente, não muito longe de minha casa.
Preparam-se assim uns 3 meses de chuvas fortes e frequentes. E com elas, mais engarrafamentos, mais inundações, mais falhas na rede telefónica, mais absentismo...

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Fraude

Acho que no passado domingo fui enganado. Nada de muito grave, mas ainda assim enganado.
Quando saí de casa a seguir ao almoço, um dos elevadores tinha uma placa a tapá-lo e onde se podia ler "Não utilizar: elevador em substituição". E eu aceitei aquilo sem questões.
Não foi senão quando voltei que me apercebi da fraude: nem a placa nem a indicação lá estavam, mas acima de tudo porque utilizei o elevador que supostamente não estaria ali. Sim, eu conheço os meus elevadores, as suas particularidades, as suas marcas, as suas sujidades...
Então, e após reflectir um bocado, concluo que devia ter achado estranha a situação porque no sábado o elevador estava de perfeita saúde, e seria muito estranho virem trocá-lo no domingo. Além disso, e recorrendo à memória fotográfica, no rés-dp-chão não havia indicação nenhuma quando saí... e o caixote é o mesmo!
Resta-me então partilhar aquela que acho ser a razão da fraude em que fui envolvido. Os elevadores neste prédio, por ter muitos andares e por terem bastante utilização, demoram a chegar. E os senhores das obras no apartamento ao lado devem ter-se fartado de esperar e decidiram "privatizar" um dos elevadores. É evidente que sem sucesso, porque não controlam as chamadas dos outros andares. Devia ser por isso que quando cheguei, estava um dos senhores com cara de "já me roubaram o elevador"...

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Discussão elevada

É bem verdade que há algumas coisas que, por não estarmos habituados a elas, não imaginamos possíveis. Na realidade, nem sequer pensamos no assunto.
Vem isto a propósito do presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, e das suas (re)acções durante o jogo de ontem entre as selecções (de segunda linha) da Costa do Marfim e da Tanzânia. A Tanzânia venceu por 3-0. Mas o que quero mesmo partilhar é que, sendo o jogo de abertura, o presidente da república estava presente. Pois Gbagbo, reconhecido por ser impetuoso e ter o sangue quente, não se coibiu de discutir os lances como um adepto, nem mesmo de entrar em discussão aberta com outros espectadores.
Para quem está habituado a ver os nossos políticos, em pose "estátua de cêra" a assistir às finais da Taça de Portugal, esta cena não pode deixar de parecer bizarra. Falta dizer que alguns dos interlocutores eram presidentes de outros países, pelo que era de certeza uma discussão de alto nível.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Alarme

O alarme de incêndio aqui do prédio funciona! Fico contente, porque apesar de não ser um prédio novo, e de em certos aspectos ter uma manutenção que deixa a desejar, tem um mínimo de segurança que funciona.
Na realidade, não foi um incêndio que o fez disparar. E ainda bem, porque o bombeiro que aqui me apareceu vinha de mãos vazias e de chinelo de dedo...
O que aconteceu foi que, no apartamento ao lado do meu, vazio até agora, estão a fazer obras. E estavam a pintar com compressor e pistola, o que cria aquela névoa de tinta com cheiro a diluente. Mas o alarme de incêndio não tem olfacto, pelo que briosamente disparou.
Não vi ninguém a sair do prédio, mas pelo menos o tal bombeiro subiu para ver o que se passava. Felizmente, não era nada de importante e ele até deu um sermão aos senhores pintores, porque não os tinham avisado. Mas para a próxima podia trazer pelo menos um extintor.

Segunda divisão

Amanhã inicia-se aqui em Abidjan um género de Taça das Nações Africanas, mas para selecções de segunda divisão. Quer isto dizer que, apesar de as selecções de vários países estarem presentes, não estarão cá os grandes nomes do futebol mundial.
O estádio onde vai decorrer o evento é o Houphoet Boigny, que fica a uns 500 metros de minha casa. Aliás, ainda vejo uma lateral, e a luz dos holofotes ilumina-me o apartamento.
Pare receber os jogos, o estádio sofreu uma verdadeira remodelação em muito pouco tempo. Foi totalmente pintado, a iluminação revista, instalaram um relvado sintético, limparam as redondezas: foi literalmente trabalhar dia e noite, e hoje ainda estavam nos últimos retoques. No fundo, um pouco como no Euro2004...
Não sei se terei oportunidade, mas gostava de ir assistir a um jogo. E gostava também de acreditar que a manutenção do estádio será mantida depois do campeonato, mas parece-me que em breve o cor de laranja vai desbotar.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Diabo

Há mundos que estão para além da minha imaginação, mas não para além de todas as mentes. Esta noite tive um convívio em torno da mesa com um grupo de costa marfinenses. A determinada altura, começaram a contar variadas histórias de pactos com o diabo. E acreditam nelas.
Na realidade, muitas destas crenças, senão a sua maioria, estão ligadas à obtenção de dinheiro e poder. E então as pessoas são levadas a fazer as mais variadas coisas, que por norma implicam que alguém vai sofrer. O acordo é assinado "duma forma mística", segundo me dizem, mas o dinheiro que aparece em cima da mesa da cozinha às 6 horas da manhã todos os dias, é real.
Eu escuto e respeito, mas não consigo acreditar em nada. De cada vez que ouço estas coisas, que já não é a primeira, penso de onde virão estas ideias, penso no poder da sugestão, penso no poder da comunicação oral. Normalmente, é sempre um conhecido dum conhecido, a quem aconteceu MESMO tal coisa.
É mais uma das diferenças a que temos de nos habituar quando vivemos em África. Mas confesso que é muito esquisito.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Primeira sessão

Já está: fui hoje à primeira sessão de ténis e estou cansado como há muito não me sentia. Mas é isso que procuro, e por isso sinto-me muito bem.
Quando não somos profissionais ou federados, fazer desporto é também uma questão de disciplina. Ou porque se tem um jantar, ou um filme que se gostava de ver, ou porque dá um jogo na televisão, há sempre desculpas para não ir. Assim, e antes que perdesse o entusiasmo, hoje comecei a minha "aventura" no ténis.
Hoje foi essencialmente para me ensinar a pegar na raquete e acertar em condições nas bolas. Não correu muito mal, e o professor diz que para primeira correu muito bem. Claro que eu não lhe consegui agradecer o ânimo, porque nos momentos em que falava para mim, eu estava de tal forma sem fôlego que se me tapassem a boca, caía para o lado. Mas sobrevivi, gostei e sábado há mais!

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Ténis

Mais um passo no combate à baixa de forma: hoje fui ver o local onde vou jogar ténis e estou muito contente só por isso.
Além da questão da forma física, em que estou no pior ponto de sempre, o desporto faz bem à alma. Relaxa, distrai, acho mesmo que cura e há alguns meses que me falta a dose recomendada. Na realidade, desde há bastantes anos que vinha habituado a um ritmo de actividade fisíca elevado, mas que parei quase por completo desde que aqui estou. E basta a perspectiva de voltar a fazer desporto com alguma regularidade, um desporto intenso e ainda para mais ao ar livre, para ficar feliz! É certo que mais ficarei quando começar, que será muito em breve.
Já tenho roupa e calçado, falta a raquete mas o professor diz que me empresta uma para a primeira vez: quer ver como bato as bolas e assim aconselhar um tipo de raquete. Mas para quê complicar? Ele não deve ter percebido que tem pela frente quem mais vezes pegou num machado do que numa raquete de ténis, e que o mais provável é que desate aos pontapés às bolas.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Livros

Livros são importantes. Podem ser dos mais variados temas, autores ou línguas, mas são fundamentais!
Para mim, representam uma companhia. Posso passar horas a ler no fim de semana, ou alguns minutos todos os dias antes de dormir, e isso dá-me equilíbrio. Leio romances, livros técnicos, biografias, divulgação científica, documentários, leio tudo. Alguns adoro, outros nem por isso, mas há sempre alguma emoção que é despertada, e há sempre alguma coisa que fica.
Vivendo sem livros, sinto-me verdadeiramente amputado. E gosto particularmente daquele leve sentimento de culpa por ter o livro na mesa de cabeceira que nunca terminei (ainda tenho dois em Portugal...). Posto isto, vou-me dedicar à leitura.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Câmara dos Representantes

Quando passo algum tempo fora, ao voltar a casa (mesmo que casa temporária...) tenho tendência a reparar em tudo e a perguntar como vão as coisas no burgo.
Ora, mal cheguei aqui depois de uns tempos ausente, reparei que o Sofitel tinha passado a Pullman; que a SGBCI tinha mudado as placas; que a relva já cresceu no renovado jardim do Hotel Ivoire; e que estão a fazer obras numa esquina aqui perto do meu apartamento.
Relativamente à sondagem, várias pessoas me disseram que estava tudo normal, nada de especial a apontar. No entanto, houve uma que apesar de dizer que tudo continuava como antes, referiu que apenas tinham incendiado a Câmara dos Representantes! Apenas!

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Relva

Dizem que a relva do vizinho é sempre mais verde, a propósito de sempre cobiçarmos algo que não temos. Pois este fim de semana, eu cobicei o tempo em Portugal.
Pelo que me dizem, está sol. Mas ainda está fresco. E o quanto eu gosto desse tempo! Gosto de vestir o casaco e conduzir de janela aberta. Gosto de passear a pé na Foz. Gosto de tomar um café numa esplanada. Gosto de sair de casa e sentir o fresco na cara. Gosto de procurar o sol nas costas quando se pára no passeio a falar com um amigo.
Aqui, como habitualmente, está calor e está húmido. Durante o fim de semana esteve encoberto, mas sempre acima dos 20º. A minha relva também é verdinha, não é?

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Tâmaras

Durante a minha estadia na Mauritânia, tive a oportunidade de comer tâmaras mais do que uma vez, e achei-as uma delícia.
Quem conhece as tâmaras, saberá que têm um caroço alongado. Quem não conhece, imaginem um caroço de azeitona feito de plasticina, esfreguem-no entre as mãos para o alongar e retirar aquele formato ovalado, e têm um caroço de tâmara.
De todas as vezes em que as tâmaras fizeram parte do menu, ao terminarmos o prato, o panorama era invariavelmente o mesmo: os meus caroços tinham sido inconscientemente amontoados numa pilha. Os dos meus companheiros mauritanianos estavam por todo o lado: parecia que várias pilhas de caroços tinham sido dinamitadas, espalhando-os em todas as direcções.
O resultado é o mesmo, os caroços vão todos parar ao lixo. Mas chego à conclusão que tenho alguma atracção pela ordem, mesmo não me considerando especialmente organizado. Este é um pequeno episódio, mas fiquei a pensar que talvez seja uma diferença de abordagem mais generalizada, e que justifica as escadas.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

China

De volta ao calor e humidade de Abidjan, após umas horas de viagem desde Nouakchott. Pelo caminho, uma escala em Bamako, onde fui surpreendido.
Bamako, no Mali, não é das cidades mais conhecidas do mundo. E o seu aeroporto não é dos mais conceituados. Tal não quer dizer, no entanto, que não aconteçam lá coisas.
Ao aterrar em Bamako, sobressaía na pista do aeroporto um enorme avião, com aspecto de novo, e numa posição incaracterística. Na realidade, era alvo do que me parecia uma apresentação ou uma estreia: banda do exército presente, imensas pessoas bem vestidas, muito protocolo e passadeiras vermelhas estendidas desde as escadas. Não posso deixar de referir o senhor que, afincadamente, seguia atrás da banda a varrer a passadeira...
O avião era um Boeing 747 da China Air. Não sei qual era exactamente o evento, mas serve como prova do investimento que a China está a fazer em África. Na Costa do Marfim, construiram o Palácio das Artes e o dos Deputados; no Senegal, vão construir 12 estádios de futebol; em Angola, estão a construir estradas; na Mauritânia, um hospital; e estes são apenas alguns dos exemplos.
Não pretendo tirar daqui grandes conclusões, mas parece-me evidente que a China se está a posicionar como parceiro previlegiado de vários países africanos, o que não parece má ideia. Afinal, com tantas almas para alimentar e cuidar, actual e futuramente, estar onde está a matéria-prima parece óbvio. Pergunto-me como será quando a balança virar...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Chinguetti

Chinguetti é o nome da primeira cidade da actual Mauritânia e era também o nome do país, até que os franceses o alteraram aquando da colonialização. A cidade ainda existe, com algum movimento e sobretudo como destino turístico. Pelo que me dizem, encontra-se em pleno deserto, e para lá chegar ou se vai em viaturas todo o terreno sólidas ou de camelo.
Para nós, habituados à tecnologia e à substituição de transporte animal pelo motorizado, é bizarro ouvir alguém falar (seriamente) em partir de camelo. Mas a verdade é que um camelo não avaria, nem precisa de peças de substituição. Também não aquece até fumegar do radiador, nem fica atascado na areia. E indo uma caravana de vários camelos (a chamada cáfila), o mais provável é chegar ao destino. Era algo que gostava de experimentar um dia.
Outro ponto importante que sobressai do primeiro parágrafo é a influência dos europeus em África. Sendo verdade que trouxeram muitas coisas positivas, muitas outras não o foram. A mudança do nome dum país pode ser detalhe, mas é importante. Além do mais, o desenho das fronteiras não foi o mais feliz, e criou quer divisões, quer uniões, que não se reflectem na realidade. E isso é fonte de confusão e instabilidade. Ainda ontem um mauritaniano me dizia, em relação a umas regiões do Senegal, que não existem diferenças entre eles, a não ser as burocráticas. E têm família dum lado e do outro, e viajam de um lado para o outro... coisa que não podem fazer livremente, surgindo então alguns problemas. Por outro lado, em vários países foram aglutinadas tribos e culturas que acabariam por entrar em sangrentas guerras.
Enfim, após estas breves considerações, ficam pelo menos a saber que muitas das empresas, hotéis e restaurantes aqui se chamam Chinguetti, por ser o nome original da Mauritânia. E que para lá chegar (à cidade, não aos restaurantes), o melhor é apanhar um camelo.

Crédito

Nunca fui tão adepto do crédito como durante estes dias em Nouakchott. De repente, as discussões em torno de spreads, euribors e afins deixam de fazer tanto sentido, e o que me vem à ideia é um sistema binário: existência ou não do crédito.
A fotografia que posso fazer daqui é de pobreza. E sendo verdade que ela existe, ou não fosse a Mauritânia um país em vias de desenvolvimento, parece mais do que é na realidade. Explicando-me melhor, há aqui muitas pessoas com bastante dinheiro, com rendimentos muito consideráveis, e que eu consideraria ricas aqui e em mais alguns países do mundo. Mas ao não poderem aceder ao crédito, são obrigados a juntar somas enormes de dinheiro vivo para comprar o que precisam. Além de levar muito tempo, é preciso alguma disciplina para conseguir não gastar o dinheiro. Deixem-me reformular: além de levar algum tempo, é preciso muita disciplina para não gastar o dinheiro.
E então encontramo-nos nesta curiosa situação: os ricos aqui andam em carro de pobre; e os pobres aí, andam em carro de rico. Permitam-me o abuso (e já agora o plágio) mas nada disto faz sentido senão à luz do crédito.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Escadas

As escadas têm um objectivo, que é o de ultrapassar desníveis. Mas são um elemento geométrico e regular, em que é possível fazer degraus-gémeos. Ou então não...
Não sei se é para respeitarem a variação e a individualidade, mas quem faz as escadas aqui parece querer dar a cada degrau uma identidade. Então, os degraus são na sua maioria diferentes: mais ou menos altos, mais ou menos profundos. O que nos faz parecer deficientes a subir ou a descer, porque de repente há um bocado que nos surpreende, pela sua presença ou ausência.
O cúmulo do que por aqui vi foi uma escada de tal forma mal calculada que, ao chegar à porta de cima estava demasido alta. Solução: corta-se à porta, que ficou com cerca de 1 metro. Faz lembrar o "Portugal dos Pequenitos". Não se pode dizer que não sejam pragmáticos, mas se for preciso passar pelas escadas a correr, estas não dão jeito nenhum.

Gestos

Comparando as polícias de Abidjan, Dakar e Nouakchott, a da Mauritânia é a mais simpática. Ou então a menos desconfiada.
Já fui parado uma vez, num carro sem documentos (é importado mas não está legalizado) e eu sem o meu passaporte. Não tivemos problemas. E em mais uma mão cheia de ocasiões, nem chegamos a parar verdadeiramente. O condutor simplesmente abana as mãos num gesto que a polícia interpreta como "tenho os documentos todos em ordem, deixa-me passar" (isto já com outro condutor e outro carro), e após um olhar de relance, eles mandam seguir. Já não sei o que esperar no próximo país...

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Nouakchott

Como nota introdutória, devo assinalar que a primeira metade desta mensagem foi escrita no voo entre Dakar e Nouakchott, e é uma lista mais ou menos cronológica de coisas que me foram chamando a atenção.
Aqui vai: pela primeira vez na minha vida, estou a voar num "avião" a hélices. Chamo-lhe avião entre aspas porque é quase uma avioneta. E voa a uma altitude que vejo no mar a sombra que nos acompanha. Ao meu lado, uma senhora mauritaniana nas suas lindíssimas vestes roxas. O voo tem muitos estrangeiros. A mala de cabine teve de ir para o porão, porque dentro não há espaço; vou recuperá-la directamente na pista do aeroporto. Serviram uma sandwich de queijo, e para recolher o lixo o steward vem de saco plástico em punho, que vai abanando para que cada um atire para lá o que precisar. O avião faz tanto barulho que não percebo muito bem o que diz o comandante, mas acho que percebi que estão 40º em Nouakchott. A vibração é bastante; estou a ficar com as mãos dormentes. O capitão desculpa-se pelo seu francês. Tanta areia no ar! Vamos aterrar...
Após este emaranhado de observações avulso, e agora no hotel em Nouakchott, posso já dizer que realmente percebi mal a temperatura: estamos na casa dos 20º, mas durante o dia esteve imenso vento e por isso muita areia no ar. A cidade perde contraste, fica duma só cor: castanho. Na verdade, sinto-me numa cidade camuflada, em que as casas são da cor da terra, e em dias como hoje, são também da cor do ar. É digno de se ver, mas difícil para viver, não tenho dúvidas.
No panfleto do hotel vem escrito que os clientes podem gozar dum banho refrescante na piscina. Até aqui tudo bem, mas depois chama a atenção para o luxo que isso representa, numa cidade em que só chove cerca de 5 dias por ano. Nem consigo imaginar... Entretanto, já vi dromedários, já comi tâmaras, já bebi chá da Mauritânia... E claro, já fui parado pela polícia, mas foi controlo de rotina aos documentos do condutor.
Lamento se esta crónica é um pouco aos soluços, mas após uma semana em Dakar e agora umas horas na Mauritânia, acho que estou a entrar em negativo: tenho visto e vivido tanta coisa nova, tão diferente, que as ideias se atropelam, e não passam com fluidez. Acho que há coisas que nunca conseguirei descrever; é preciso vivê-las. E eu estou a ter essa sorte.

ps: ontem à noite fiquei sem internet: até a publicação da mensagem foi aos soluços.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Ataya vs. Cimbalino

O chá preto tem cafeína, mas normalmente nem nos lembramos disso quando o bebemos em Portugal.
Mas aqui é muito diferente. O ataya, que provei hoje, é um chá extremamente concentrado; é o chá mais parecido com café que já bebi!
Segundo me dizem, aqui no Senegal fazem-no ainda mais forte do que nos outros países, e por enquanto aceito a informação. Não é, por isso, de admirar que existam pessoas viciadas no chá, tal como acontece com o café. E pelo menos aqui, o café tem uma vantagem: pode amarelar os dentes, mas não os deixa às manchas de castanho-escuro...
O ataya é mais do que uma bebida, é uma cerimónia na qual se podem passar horas. A cada preparação, bebem-se 3 taças, cada uma mais diluída do que a anterior. Além do gosto a chá, tem imenso açucar, por isso acaba por parecer também um rebuçado em forma líquida. É algo a experimentar, mas para já prefiro o nosso cimbalino.

Depois...

Amanhã terei o primeiro dia em Dakar em ritmo relaxado. Esta semana foi de muito trabalho, mas amanhã será verdadeiramente para viver um pouco Dakar.
Para o almoço, fui convidado para comer arroz com peixe (o prato nacional, apesar do arroz ser importado...), seguido de ataya, o chã. Acho que vai ser muito giro. Depois conto.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Multa

Finalmente, fui parado pela polícia senegalesa. Demorou 5 dias, mas lá aconteceu. E tive de pagar.
Hoje fui jantar a um restaurante no centro de Dakar. No regresso, um polícia no meio duma rotunda mandou-nos parar, e na realidade a condutora não tinha o comprovativo do seguro. E quando assim é, o poder fica do mais do lado deles.
Então, e após abordar o problema por vários ângulos, ele lá disse que o carro tinha de ficar imobilizado e a multa era de 12.000 FCFA. Eu pedi-lhe a multa e disse-lhe que iria pagar à esquadra, mas ele disse que não: para deixar o dinheiro com ele. Eu disse que até deixava, desde que ele me desse o papel da multa, pedido obviamente recusado. Em resposta eu disse-lhe que ele estava a fincar o pé por uma falta de um papel; pois eu fazia o mesmo e não lhe dava dinheiro nenhum sem o papel da multa! Logo aí, o valor veio para os 6.000 FCFA. A seguir, disse-lhe que ele não era gentil e que estava a estragar a minha estadia no Senegal, que estava a ser óptima. Desceu para 5.000 FCFA. E finalmente, após uma manobra de magia em que todas as minhas notas desapareceram (excepto a de 2.000 FCFA), mostrei-lhe a carteira aberta e disse-lhe que não tinha mais nada. Sem dar parte de fraco, disse-me que então ficava assim, por eu ser estrangeiro e simpático. Mas que sentido de humor!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Mentalidades

O Senegal não é um país rico em matérias-primas como muitos dos outros países africanos, o que é uma grande contribuição para que seja estável e pacífico. Mas o actual presidente está com ideias de mudar isso...
O senhor Abdoulaye Wade quer adaptar a democracia deste país às suas necessidades. Na realidade, de uma forma legítima, quer zelar pelo futuro do seu filho, e portanto tem tentado mudar a constituição de forma a que lhe seja permitido passar-lhe a pasta, sem passar por eleições.
No entanto, e como é um homem razoável, resolveu criar uma boa imagem do rapaz primeiro, canalizando fundos imensos para obras que depois são apadrinhadas e inauguradas por ele.
Felizmente, o povo não está receptivo a esta manobra, mas nunca se sabe o que poderá acontecer. O que é realmente pena é que em pleno século XXI, ainda existam estas perigosas mentalidades.

E esta, hein?

Para os que desconfiam que tudo nos países africanos é muito velho, aqui fica uma surpresa: em Dakar, algumas ruas encontram-se delimitadas com aqueles sinais luminosos que temos nas passadeiras da Avenida da Boavista (julgo que se chamam "olhos de gato"). Mais ainda: é também possível encontrar vários daqueles sinais verticais com luzes, alimentados por pequenos painéis solares colocados no topo. Até sinais de passadeiras desses se encontram (o que não significa que sejam respeitadas). É ou não caso para dizer "E esta, hein?"?

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Facturas

Aqui por estas bandas, as facturas são um problema generalizado. Após as minhas desventuras em Abidjan, eis que em Dakar continua a saga.
Hoje, após jantar num restaurante na zona das embaixadas, pedi a factura. E fui então gentilmente informado que facturas só entre as 11h e as 16h e que se a queria mesmo, poderia deixar os meus dados e passar lá amanhã. Não pude deixar de sorrir (após respirar fundo), e recusar tão generosa oferta. Pelo menos trouxe o talão, que ao almoço quase nem isso conseguia...

Dakar

Ao longo da nossa vida, há algumas coisas que nos marcam. Pela positiva ou negativa, acabam por ficar incrustradas na nossa memória ou imaginário. No meu caso, uma delas é Dakar, em grande parte responsabilidade do rali Paris-Dakar. Nunca cá tinha estado, mas desde há muito tempo que tinha um fascínio inexplicável por esta cidade africana. Finalmente, cá estou eu.
Cheguei ao final da tarde de domingo, o que não me permite dizer que conheço Dakar. Mas as primeiras impressões, nas cidades como com as pessoas, costumam ser muito importantes, e definem em grande medida a nossa opinião. Neste caso, são muito boas. Correndo o risco de me estar a precipitar, posso dizer que me sinto bem em Dakar.
Há uma coisa que o ser humano, em geral, não gosta: insegurança. E quando chegamos a uma cidade, julgo que mesmo inconscientemente, acaba por ser essa a nossa primeira preocupação. Olhamos para as pessoas em busca de sinais, sentimos o ambiente, posicionamo-nos. Aqui, sinto-me relaxado.
Para este sentimento, acho que contribui o facto de os senegaleses serem, em algumas coisas, muito parecidos com os portugueses. A sua histórica abertura ao exterior, tal como nós, torna-os abertos, de trato fácil, capazes de fazer o esforço de compreender um estrangeiro. Torna-os também curiosos, leva-os a aprender outras línguas, outras culturas. E poderia continuar com outros paralelismos, mas ficarei por aqui.
Para minha surpresa, logo que cheguei ao hotel falaram para mim em português. O Ibraima, da recepção, teve aulas de português e fala-o de forma muito aceitável. Isto era algo em que nunca tinha pensado muito, mas não estava definitivamente à espera. É um pormenor que revela uma forma de estar de que eu gosto: ele podia falar para mim em francês, mas decidiu fazer o esforço para falar a minha língua. Para esse à vontade terá também contribuído o facto de eu identificar nele o wolof, dialecto local, o que acabou por criar um ponto de contacto.
São 7:00h da manhã de segunda-feira, mas ainda não amanheceu. Estou verdadeiramente ansioso para ver esta cidade de dia.