Hoje li as crónicas de Lobo Antunes na Visão. É verdade que é um autor polémico, de feitio assumidamente difícil e escrita rebuscada. Mas eu gosto. Os seus textos provocam, descrevem, provocam, relatam e voltam a provocar. Gosto de ficar chateado com a escrita quando a não compreendo totalmente, gosto da liberdade que a falta de pontuação me dá, gosto da frontalidade. E gosto sobretudo da emoção. Mas não pretendo (nem o conseguiria) fazer uma crítica literária. Antes e apenas notar que em todos os textos há um sentimento de tristeza, quase de revolta, muito de nostalgia. Conheces algum artista que não sofra, conheces algum artista feliz?
E então dei comigo a pensar que uma grande parte dos pequenos textos que aqui tenho escrito também são envolvidos por uma aura negativa: a poluição, o trânsito caótico, a corrupção, a pobreza, a iliteracia. Não me interpretem mal: isto não é, de modo algum, uma comparação com Lobo Antunes! É apenas a explicação do processo mental que me levou dum padrão a outro. Aqui chegado, sinto-me na obrigação de explicar como é que posso estar a gostar muito de aqui estar, se o que descrevo é assim mau?
Na realidade, o que é mau deixa marcas mais fortes. Por isso os episódios negativos da nossa vida persistem tão claros na memória, enquanto muitos dos bons se apagam. É como se assumissemos que tudo o que nos acontece tem o dever de ser bom, por isso não merece destaque. Mas o que é mau é um erro, é anormal. E como em tudo, o anormal é mais notado. Além disso, a ordem, a organização e a limpeza dão-nos conforto. Como aqui tenho menos do que estava habituado, é o que mais noto, reflectindo-se no que escrevo.
No entanto, há mais. Muito mais! Há vida, há côr, há movimento. Há pessoas, e muitas! Há uma forma de estar, uma forma de ser, uma forma de viver que quero perceber. E é aí que julgo estar o que de mais positivo irei encontrar. O que tenho visto é superfície, nem entendo bem se é causa, se é efeito. Contudo, sei que me quero dirigir à essência, ao fundamental, o que requer mais tempo, mais convívio, mais experiência.
Sou, assim, obrigado a concluir que o que tenho escrito é o mais fácil, é a atmosfera deste meu novo mundo. Mas já estou de malas feitas, professor Lidenbrock!
sábado, 16 de agosto de 2008
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1 comentário:
É curioso como a arte ( e arriscar-me-ia mesmo a dizer a excelência ) advém quase sempre de momentos de "baixo astral", obsessão ou iminente loucura. Será talvez porque é o desconforto que nos motiva, que nos irrita, que nos obriga a reagir. Não serão os génios felizes?
Aguardamos com ansiedade as crónicas "felizes" da viagem às "profundezas" dessa terra, com certezas que serão tão ou mais fascinantes que as superfícies que agora vemos.
Grande abraço
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