domingo, 31 de agosto de 2008

Sonho

Tal como prometido, e já com acentos, hoje vou escrever um pouco sobre a Basilique de Notre Dame de la Paix de Yamoussoukro. Apesar de haver muitas coisas para contar sobre a viagem a Yamoussoukro, é impossível não começar por falar daquela que é considerada a maior igreja do mundo.
E a verdade é que é um espaço gigantesco, absolutamente monstruoso. Uma vez lá, perdemos noção das medidas, tudo nos parece mais pequeno do que é realmente e temos dificuldades em acreditar nos números que nos dizem. Aquela cruz está mesmo a 158 metros de altura, quase o dobro da Ponte da Arrábida? E aquela outra, tem mesmo 2 metros e meio? E definitivamente ainda não acredito que aquela alameda da entrada tenha 1 quilómetro!
É um construção imponente, no meio duma planície africana também ela imponente, de espaço e de verde. É um local que merece a visita, e que impressiona pelos números. Mas o que verdadeiramente me choca é que não é muito mais do que isso. É uma igreja perdida no meio da Costa do Marfim, numa cidade cujo significado maior é uma estrada, e que ali foi construída devido ao sonho desmesurado do primeiro presidente da Costa do Marfim independente. Sonho esse cujo expoente será o vitral em que se fez desenhar, aos pés de Jesus. Um vitral original, sem dúvida, em que se faz acompanhar pelo arquitecto libanês, pela directora artística francesa e mais uma série de pessoas que não se encontram, nem nunca se encontrarão, em qualquer texto religioso.
A basílica foi verdadeiramente utilizada em duas ocasiões: por altura da visita do Papa João Paulo II em 1990 e na morte de Houphouet Boigny em 1993. Agora continua a ser um enorme espaço, perdido no meio do país, com pequenas missas e muito poucas visitas. A cidade continua ao pé da estrada, sem saneamento nem água canalizada. Mas é a capital política do país e tem a maior igreja do mundo.
Se é verdade que o sonho comanda a vida, também o é que alguns merecem um pesado risco de lápis azul.

sábado, 30 de agosto de 2008

Berma

Hoje escrevo de Yamoussoukro, capital politica e segunda maior cidade da Costa do Marfim. Desde ja, uma diferença: estou num computador do hotel, que tem teclado frances, e dai a ausencia de alguns acentos.
Mas as diferenças para Abidjan sao muitas, sao imensas! Nao existem arranha-céus, a densidade populacional é muito menor e parece-me uma cidade mais barata. Basicamente, Yamoussoukro é uma cidade ao pé da estrada, e o resto é praticamante um espaço, enorme e vazio.
Mas é uma cidade que carrega o peso de ser o berço do pai da patria, Houphouet Boigny, que a transformou em capital pela emoçao, muito mais do que pela razao. Construiu uma catedral (que merecera uma historia independente) absolutamente gigantesca, uma residencia que nao lhe fica atras. E agora, 25 anos depois da promoçao a capital, é que estao a transferir ministérios e outras instituiçoes que normalmente se encontram numa capital. Por enquanto, é apenas uma cidade na berma da estrada.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Trabalho infantil

Quando eu era mais novo, costumava trabalhar na fábrica dos meus pais durante as férias escolares. Trabalhar será uma força de expressão, mas na altura eu achava-me de certa forma útil nas funções que exercia. Nunca os meus pais foram acusados de recorrerem a trabalho infantil, mas actualmente talvez acontecesse...
Aqui vemos imensas crianças a trabalhar. E não a trabalhar por opção e para se sentirem importantes e grandes, como eu o fazia, mas sim por necessidade. Quando se sai à rua, há uma série de crianças cujo lugar (na nossa ideia) é nos bancos duma escola e ali estão, prontas para nos engraxar os sapatos por meia dúzia de tostões. Depois passamos em lojas de móveis e lá estão elas a pintar, a cortar, a pregar. E por aí fora.
Onde é a ponta desta meada? Como é que se melhoram as condições da população em geral para permitir que as crianças estudem, em vez de trabalhar? Num país em vias de desenvolvimento, em que cada mulher tem em média mais de 4,5 filhos, parece difícil. Num continente onde muitas das guerras são travadas por jovens e crianças, mais vale que estejam a trabalhar.
É preciso formação, é preciso educação. Mas a solução não se afigura simples, sobretudo porque a massa cinzenta está transformada em mão-de-obra.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Saga

A saga continua. Desta vez foi o cilindro da cozinha que avariou. Mas tomei uma decisão: a partir de agora fico feliz, quero, anseio que mais alguma coisa avarie, porque assim fico cada vez mais próximo de ter tudo novo e deixar de me preocupar com a surpresa que terei ao chegar a casa. Enquanto tal não acontece, lá tenho de guardar os números do Sr. Fian, que é o responsável pelo Departamento de Conservação e Património do edifício e da Mme. Kousson, da agência que me alugou o apartamento.
São duas personagens curiosas. A Mme. Kousson é como um Peugeot 204: tem caixa de 4 velocidades e anda muito devagar. Quanto ao Sr. Fian, funciona a duas dimensões: Gulliver enquanto sentado na cadeira de chefe, Lilliput quando dela desce.
Assim, os meus problemas no apartamento são à imagem dessas duas pessoas, com quem tenho de os tratar. Demoram a ser resolvidos e normalmente metem água.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Vantagens

Parece que hoje vai ser uma noite mais descansada. O martelo pneumático calou-se!
Que existem obras em que se trabalha 24h por dia, todos sabemos. Mas, normalmente, espera-se que os trabalhos mais ruidosos sejam feitos durante o dia. A menos, decerto, que isso incomode os outros trabalhadores e responsáveis de obra. Vai daí, há que destruir paredes e chão durante a noite, com recurso a martelos pneumáticos. Além do mais, é mais fresco, pelo que são só vantagens.
Excepto para quem mora mesmo ao lado da obra, como é o meu caso. Felizmente, as janelas isolam bastante bem o ruído, o que não me admira: são janelas habituadas a milhares de buzinas durante o dia, pelo que estão bem treinadas. E ando eu preocupado em não arrastar cadeiras durante a noite...

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Agora ou depois

Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje. Normalmente esta é uma expressão usada para incitar à produtividade, mas também há variantes.
No sábado passado fui ao CAVA (Centre d'Artisanat da la Ville d'Abidjan). Para além da insistência por parte dos vendedores, a verdade é que as peças em exposição tornam realmente difícil sair de lá sem nada comprar. No entanto, era essa a minha intenção: ver mas comprar para a próxima. Ainda que com alguma dificuldade, consegui fazê-lo.
Claro que não me escusei a discutir e regatear com alguns dos vendedores. E um deles, perante a minha intransigência para comprar (mas compromisso para voltar), disse-me que "1000 francos hoje são melhores que 1000 francos amanhã". Não o consegui contrariar, apenas ripostei que dependia da perspectiva...
É caso para dizer: não deixes para amanhã o que puderes ter agora.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Quase

Compressor a funcionar, obra acabada!! Mais uma vez o Sr. Moussou fez um excelente trabalho e melhorou em muito as minhas condições. E desta vez a mobília passou nas portas, o que significa que posso usufruir dela em local apropriado.
Na realidade ainda faltam umas pequenas intervenções. A subida para o 14º andar, qual Alpe d'Huez do mobiliário, não se deixou vencer com facilidade, e daí as marcas de tamanhos e feitios variados, na madeira. Felizmente, nada que seja difícil de retocar, coisa que o Sr. Moussou se disponibilizou imediatamente para fazer amanhã.
Outra intervenção é necessária para acertar as pernas das cadeiras. Em três delas, uma das pernas ficou substancialmente mais curta. O Sr. Moussou disse-me que no estabelecimento dele ficavam todas bem apoiadas, o que não me admira. São cadeiras todo o terreno, não estão preparadas para superfícies niveladas.
Mas estou contente. Acho que apenas 9 centímetros e meia dúzia de pinceladas me separam duma mobília pronta! Está quase!

domingo, 24 de agosto de 2008

Inesperado

Eu sou um grande adepto de rádio. Não o suficiente para praticar, mas ainda assim o bastante para escutar abundantemente. Hoje de tarde fui recompensado por isso!
Uma das rádios mais escutadas e conhecidas de Abidjan (não tenho a certeza se é uma rádio nacional) é a Nostalgie. É uma estação que passa muitos tipos de música, de várias nacionalidades, mas nada me podia preparar para o que aconteceu hoje. De repente, começaram uns acordes que me pareceram estranhamente familiares. Estranhamente porque inesperados. Amália Rodrigues? Mariza? Não! Ágata!! E não era um álbum da cantora, mas sim uma rapsódia, em que se seguiram Diapasão, Emanuel, Broa de Mel, Toy, Romana e outros que não consegui identificar. Fui incapaz de mudar de estação, pelo que passei largos minutos a ouvir o típico som do orgão digital, tranversal a todas as músicas que passaram.
Para que conste, é a segunda vez que a Ágata me entra pelos ouvidos quando estou no estrangeiro. A outra foi em Montpellier, num intervalo dum jogo do F.C.Porto que estava a passar na RTP Internacional. Por isso, no que à minha experiência diz respeito, é ela a cantora portuguesa mais internacional!

sábado, 23 de agosto de 2008

Personalidade

Hoje era o dia de receber o resto da encomenda feita ao Sr. Moussou: uma mesa de jantar e uma mesa de cozinha com as respectivas cadeiras, assim como uns móveis para a sala. No entanto, quando fui ter com ele, em vez dum bonjour recebi um c'est chaud... sinal de que algo não tinha corrido bem.
O que aconteceu desta vez foi que o compressor avariou. E sem compressor, não há pistola para a pintura. E sem pistola para a pintura, não há móveis. Ficou para segunda feira...
Pensando bem e excluindo a cabala contra a minha pessoa (hipótese anteriormente aventada mas o que podem uns móveis que não conheço ter contra mim?), vejo duas alternativas para o que está a acontecer: ou os móveis do Sr. Moussou, construídos mesmo ao nível da lagoa, têm vertigens, ou até mesmo eles me estão a cobrar a relutância em fazer business... Mas pelo menos, sei que vou ter móveis com personalidade forte!

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Abelhas

Abelhas. É isso que me fazem lembrar os carros em Abidjan quando páram num semáforo vermelho. Há um que pára, e outro e outro e muitos outros, até formarem uma colmeia enorme, onde não se vislumbra nenhuma ordem, nenhuma organização em particular. E quando o semáforo abre, há que acelerar como se não houvesse amanhã!
O engraçado é que este padrão parece ser único. Haja ou não pressa, haja ou não compromissos inadiáveis, é esta a forma de reagir num semáforo. E uma vez que a motivação para este comportamento pode não ser o que está adiante, então talvez seja o que está atrás: se não o fizermos, estamos a criar entropia e é possível que provoquemos um acidente. Ou seja, não havendo pressa para chegar, haverá pressa para fugir.
Mas e porque é que isto me faz lembrar abelhas? Porque as podemos ver num amontoado que apenas elas compreendem, e nunca vi uma abelha em ritmo de fim de semana.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Mundo tamanho XL

Na estrada do centro de Abidjan para Youpougon, somos regularmente surpreendidos por espaços enormes cobertos com roupa, das mais variadas cores e feitios. É sinal que estamos perto de algum ribeiro ou acumulação de água, que permite aos lavadeiros (maioritariamente homens) desempenhar o seu trabalho.
Não deixa de ser uma visão curiosa. Parece uma tentativa de vestir o solo, quem sabe de vestir o mundo, mas é apenas uma forma prática de secar a roupa acabada de lavar. São dezenas, centenas de pessoas que se dedicam a recolher o que quer que outros queiram lavar (até agora falei em roupa, mas pode muito bem ser um colchão ou outro qualquer objecto "lavável"), e que após o fazerem, devolvem à origem. Sem papéis de controlo, sem senhas, sem números, sem identificação. Mas, segundo soube, funciona muito bem e é raro haver trocas, o que me espanta verdadeiramente!! Além disso, é mais barato e não demora uma semana...

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Permeabilidade

Quando saí de Portugal estava meia Europa a sair duma greve generalizada dos motoristas, em protesto com o aumento dos preços do combustível. Uns dias antes do meu vôo, pairava até a incógnita se não seria anulado, por falta de combustível na Portela. Finalmente lá surgiu um acordo que restituiu alguma normalidade aos países envolvidos.
Pouco tempo depois de estar em Abidjan, convencido que tudo seria diferente e após um esforço mental para me libertar do "software" que trazia, vi-me confrontado com situação idêntica: greve em protesto com o aumento dos combustíveis. Se na Europa foram os camiões os actores principais, aqui foram os transportes de passageiros. Woro-woro, gbaka-gbaka, táxis, tudo parado. Foi como sangrar a cidade até à última gota, matá-la durante uma semana. Até que baixaram o preço do gasóleo para pouco mais de 1€/litro, ressuscitando Abidjan. Este é, portanto e sem surpresa, um problema sem barreiras.
Entretanto, também aqui me deparei com um outro assunto que saltou a fronteira, e que já me deixou mais surpreendido. A Costa do Marfim tem, por motivos históricos, uma grande comunidade de libaneses. Na semana passada conheci um, dos seus 60 anos e que já cá está há muitos, e coincidiu de aparecer um israelita, seu conhecido. Apesar de ressalvar que aquele israelita em concreto era boa pessoa, destilou de seguida o ódio que lhe ia na alma contra o inimigo. Justificação: eles mataram demasiadas crianças e mulheres libanesas, para poderem alguma vez ser perdoados. E por ali ficou, numa irredutibilidade com raízes que penetram no tempo. Há sentimentos aos quais devia ser recusado o visto de entrada.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Ser uma alternativa

Lamento voltar ao assunto da crónica de ontem mas desta vez não resisto.
Tal como referi, o livro "Ébano" de Kapuscinski descreve um cenário surpreendentemente próximo daquele que vejo actualmente, apesar da distância de meio século. Ontem, pouco depois de publicar a mensagem "Prevenção", fui ler mais um pouco e deparei-me com a seguinte passagem:

Vive-se para o instante, para o momento, cada dia constitui um novo obstáculo, que se ultrapassa com esforço; o poder da imaginação não vai além do dia de hoje, ninguém faz planos, ninguém tem sonhos.

Um dos resultados de ler isto foi desanimar um pouco nesta minha senda de manter o blogue. Ali está o que eu quero dizer, o que eu quero relatar! Quanto mais leio, mais tenho a sensação de estar perante um plágio por antecipação (o que não deixa de ser um estranho conceito).
Outro resultado foi ficar a pensar na última parte da frase: ninguém tem sonhos. Decerto sou eu que estou a exagerar, mas conseguem imaginar as consequências desta forma de viver? Estar aqui ou ali é igual, a distância para o objectivo é a mesma, é nenhuma, não existe. Ir ou não ir, ter ou não ter, apenas indicam uma alteração de estado. No fundo, é-se uma coisa simplesmente porque não se é outra qualquer. É-se uma alternativa toda a vida, nunca uma escolha!
Talvez sobreviver seja já um objectivo suficiente. Talvez ter outros objectivos , pessoais ou profissionais, seja um luxo de quem não tem de se preocupar verdadeiramente com sobreviver. Kapuscinski de novo:

Carregam pedaços de chapa, tábuas, placas finas, plástico, cartão e pedaços de carroçaria à cabeça.

É porventura demasiado lirismo, mas acho que será um grande salto quando na cabeça os sonhos substituirem os pedaços. Não faz tão mal à coluna, e é um bálsamo para a alma!

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Prevenção

Prevenção: eis uma palavra que não se ouve muito por aqui. Mais do que isso, é também uma atitude subutilizada e que conduz a acontecimentos que podem ser, à vez ou simultaneamente, complicados, engraçados ou caricatos.
A fuga de água que ameaçava inundar-me o apartamento em caso de distracção maior, é um exemplo do que acabo de descrever. Hoje dirigi-me ao Departamento de Manutenção do prédio, que fica no 6º andar. E fiquei não só a saber que o problema era na canalização ao nível do 16º piso (eu estou no 14º), mas também que já era relativamente antigo e conhecido. Sendo assim, talvez outros apartamentos já estejam afectados, incluindo este, observei eu. Dito isto, o senhor dirigiu-se à casa de banho transformada em arrecadação, ao mesmo tempo que ia negando tal possibilidade, pelo que ficou genuinamente surpreendido quando viu as bolhas de água já a formar-se no tecto! Conclusão: resolveram o problema ainda durante a tarde.
Esta atitude-bombeiro reflecte-se em tudo, tenha maior ou menor importância. Reflecte-se na saúde assim como na falta de pilhas para o rádio. Planear e prevenir têm origem na equação de diferentes cenários, não nesta forma de vida imediata, instantânea, improvisada. E decerto reside também aqui a beleza e o fascínio de África, nesta volatilidade que tanto dá para levantar um motim do nada, como para o acabar no minuto seguinte. E não é muitas vezes essa a nossa vontade?

domingo, 17 de agosto de 2008

Imutabilidade

Muitas das pessoas que conheço têm, em maior ou menor grau, um fascínio por África, mesmo que nunca tenham cá vindo. Eu fazia parte desse grupo: nunca tinha estado em África, mas há já algum tempo que estava nos meus planos visitar. Alimentava a curiosidade vendo documentários, conversando com quem conhecia um pouco, lendo ou oferecendo a amigos que partilhavam o interesse livros sobre África, com a declarada segunda intenção de os ver devolvidos por empréstimo. Foi o que fiz com "Ébano - Febre Africana", de Ryszard Kapuscinski. Nunca pensei é que o acabaria por ler aqui!
Já li um terço do livro, passado entre 1958 e 1962. Cerca de 50 anos passaram, portanto. Surpreendem-me algumas histórias relatadas, até porque essa representa uma fase conturbada: foi por essa altura que grande parte dos países africanos colonizados se tornaram independentes, com especial destaque para o ano de 1960, com 17 declarações de independência. Uma delas foi da Costa do Marfim.
Mas o que verdadeiramente me surpreende é o que NÃO mudou. A descrição de como os africanos têm um conceito de tempo muito diferente do nosso, sendo muito menos importante, muito menos escravizante. A capacidade que têm de passar horas, dias, sem fazer absolutamente nada. A forma como as pessoas saem para a rua, onde tudo se passa, tudo e todos se encontram. A forma como em qualquer momento, em qualquer local, as pessoas se encostam e dormem. O mesmo padrão de dependência de um membro da família! Confesso que por vezes não acredito e vou conferir a data em que estas crónicas foram escritas. Como é possível ter mudado tão pouco? Que tipo de cimento une décadas e décadas de atitudes e formas de estar? E até quando vai essa unidade?
Aposto que se o livro de Kapuscinski tivesse fotografias, amanhã eu poderia encontrar as mesmas mulheres a preparar mandioca e banana na berma da estrada, os mesmo homens a dormir debaixo duma palmeira, os mesmos contadores de histórias e chefes de tribos. E só quando vejo os carros (que são muito velhos, mas não têm 50 anos!), os telemóveis, os computadores, é que me convenço que o calendário avançou. É como se o tempo tivesse ficado num qualquer ponto de Lagrange entre dois mundos distintos!

sábado, 16 de agosto de 2008

Início de viagem

Hoje li as crónicas de Lobo Antunes na Visão. É verdade que é um autor polémico, de feitio assumidamente difícil e escrita rebuscada. Mas eu gosto. Os seus textos provocam, descrevem, provocam, relatam e voltam a provocar. Gosto de ficar chateado com a escrita quando a não compreendo totalmente, gosto da liberdade que a falta de pontuação me dá, gosto da frontalidade. E gosto sobretudo da emoção. Mas não pretendo (nem o conseguiria) fazer uma crítica literária. Antes e apenas notar que em todos os textos há um sentimento de tristeza, quase de revolta, muito de nostalgia. Conheces algum artista que não sofra, conheces algum artista feliz?
E então dei comigo a pensar que uma grande parte dos pequenos textos que aqui tenho escrito também são envolvidos por uma aura negativa: a poluição, o trânsito caótico, a corrupção, a pobreza, a iliteracia. Não me interpretem mal: isto não é, de modo algum, uma comparação com Lobo Antunes! É apenas a explicação do processo mental que me levou dum padrão a outro. Aqui chegado, sinto-me na obrigação de explicar como é que posso estar a gostar muito de aqui estar, se o que descrevo é assim mau?
Na realidade, o que é mau deixa marcas mais fortes. Por isso os episódios negativos da nossa vida persistem tão claros na memória, enquanto muitos dos bons se apagam. É como se assumissemos que tudo o que nos acontece tem o dever de ser bom, por isso não merece destaque. Mas o que é mau é um erro, é anormal. E como em tudo, o anormal é mais notado. Além disso, a ordem, a organização e a limpeza dão-nos conforto. Como aqui tenho menos do que estava habituado, é o que mais noto, reflectindo-se no que escrevo.
No entanto, há mais. Muito mais! Há vida, há côr, há movimento. Há pessoas, e muitas! Há uma forma de estar, uma forma de ser, uma forma de viver que quero perceber. E é aí que julgo estar o que de mais positivo irei encontrar. O que tenho visto é superfície, nem entendo bem se é causa, se é efeito. Contudo, sei que me quero dirigir à essência, ao fundamental, o que requer mais tempo, mais convívio, mais experiência.
Sou, assim, obrigado a concluir que o que tenho escrito é o mais fácil, é a atmosfera deste meu novo mundo. Mas já estou de malas feitas, professor Lidenbrock!

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Alfaiate privado

Hoje senti-me tentado a começar esta crónica dizendo que não tenho sorte nenhuma. O que não é verdade, evidentemente, pelas mais variadas razões que não vou agora explorar. Mas este foi um dia que me deixou aquela sensação de caixa de supermercado: acertamos sempre na que mais demora! Parece que temos um qualquer malvado e omnipresente alfaiate, que nos desenha os mais diversos entraves e problemas. Feitos especial e unicamente para nós, claro. E o curioso é que nem o facto de todas as pessoas que conhecemos terem a mesma impressão, nos convence que não temos o nosso próprio Caetano a fazer-nos a prova dos 9 nas costas...
Mas porquê este sentimento? Primeiro, porque os DVDs que aqui se vendem quase a preço de ouro, não têm o mesmo código regional que os leitores de DVD. Ou então é apenas aquele que EU comprei que não é compatível com o MEU leitor, graças ao MEU Caetano. Segundo, e mais incomodativo, porque agora tenho água a sair pelas juntas dos azulejos da casa de banho. Podia ser mais uma solução decorativa original; fica a ideia. Na realidade, é uma simples mas muito chata fuga de água. Podia acontecer num dos muitos outros apartamentos do prédio. Podia ter acontecido o ano passado. Podia eu ter ido para o 15º (que também está livre) em vez do 14º. Mas o meu Caetano não dorme e não se esquece de mim! Estou em crer que também foi ele que encolheu as portas para não deixar passar o sofá. No entanto, a luta não acabou, porque eu também sei o que é o mastoideu!

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Resumo

Hoje o Sr. Moussou, o fabricante dos meus móveis, ligou-me a perguntar se o móvel da sala era mesmo para ter 3 metros. Três metros, Sr. Moussou, não!! E lá fui eu ter com ele para revermos o plano.
O que aconteceu foi que eu fiz um desenho em que coloquei as medidas todas como num gráfico XY: tomei o ponto [0,0] como referência e apontei todas as medidas a partir daí. Mas para ele, apesar do desenho estar relativamente proporcional, era sempre a somar, o que justificava um móvel com 3 metros.
Apesar da proporcionalidade do desenho, apesar de já termos visto e revisto o esboço anteriormente, apesar de eu achar que não podia estar mais explícito, tudo afinal se resumiu ao seguinte: quanto mede duma ponta à outra e qual a espessura das tábuas? O resto tiram pelo formato. Eu sei que não tenho jeito para desenhar, mas desta vez, nem o esforço se aproveitou...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Cautela

Uma expressão que frequentemente ouvimos é a de "usar a cabeça". Normalmente, pretende ser um apelo para alguém usar o intelecto na resolução dum problema, para raciocinar, ter discernimento. Numa sociedade eminentemente e cada vez mais de prestação de serviços, de valorização da massa cinzenta, tendemos a olhar para a cabeça-parte-do-corpo como olhamos para a cabeça-parte-da-alma: algo sagrado, que preservamos o máximo possível e afastamos de todos os perigos. E eu não posso discordar deste prolongamento dum instinto. Basta pensar no que é que protegemos quando caímos, ou quando algo nos é arremessado.
Mas a expressão pode ser usada noutras circunstâncias. No futebol, para dizer a um jogador para cabecear a bola, coisa que impressiona muitas pessoas e, realmente, não é do mais agradável. Ou então, pode indicar uma forma de transporte das mais diversas mercadorias. Em Portugal, lembro-me de ver mulheres com cestos de peixe ou sargaço sobre a cabeça. Coisa rara, actualmente, pelo menos nas cidades. Aqui, é precisamente ao contrário: praticamente tudo é transportado sobre a cabeça. As mulheres levam cestos de pão, de fruta, de amendoim, de louça, de panos ou bilhas de gás. E não são Pluma! Já os homens, também fazem uso da cabeça... para transportar tábuas, tubos, portas, chapas, sacos de cimento e por aí adiante.
Deste modo, o uso da cabeça ganha pelo menos duas dimensões. Uma intra-sociedade, nas ditas mais desenvolvidas, e em que se distinguem os que pensam mais e melhor; e outra inter-sociedades, como indicador do seu estádio de desenvolvimento.
A partir de agora, e à cautela, quando me desafiarem para um tête à tête vou levar capacete.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Desconstrução

Existem algumas coisas que são claramente mais fáceis de destruir do que de construir. Podemos pensar, por exemplo, num edifício, que se constrói em meses ou anos e se implode em segundos. Ou na confiança, que curiosamente pode respeitar os mesmos prazos. Mas outras há que resistem, persistem, ganham vontade própria e recusam-se a desaparecer.
Hoje vi mais uma gbaka-gbaka a entrar em sentido contrário num ramal de acesso à via rápida. E isso fez-me pensar na função das coisas.
Pensemos num relógio. Antes de ser bonito, dar estilo ou ser símbolo de status, tem uma função muito clara: dar horas. Ou na comida, que é alimento antes de ser tenra, apimentada e muito antes de ser cuisine française. Ou na pele, que é uma protecção antes de ser macia ou bonita. E poderia continuar indefinidamente, mas vou optar por passar para as estradas.
Uma estrada, antes de servir para circular numa determinada direcção, serve simplesmente para circular. É um espaço com as condições necessárias para permitir às viaturas ir de um ponto até outro, preferencialmente pelo caminho mais curto. O que torna tudo muito mais simples: as regras não são sinais, são necessidades, e isso justifica andar em contra-mão, desrespeitar vermelhos ou ultrapassar por onde quer que haja espaço.
No entanto, é difícil despirmo-nos dos nossos hábitos, das nossas ideias, apesar do desafio quotidiano. Por isso, enquanto eu travo esta batalha interna, à minha volta os carros perduram na sua função, usando as estradas para o que elas servem. E não deixam de ter razão, porque fora delas é bem mais complicado!

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Assumpções

Questionar as assumpções: esse é um exercício que tenho de fazer permanentemente aqui, mas em cujos testes vou falhando repetidamente. E se o trânsito caótico, a mole de pessoas nas ruas, o planeamento urbanístico ou a nuvem de fumo me surpreendem, outras coisas há que me apanham de surpresa. Será a diferença entre ver a Torre Eiffel (é surpreendente) ou ver a Torre Eiffel em plena Avenida dos Aliados (que surpresa não seria!).
Assim, e porque a minha máquina de lavar roupa ainda não está a funcionar, hoje decidi levar algumas camisas a uma lavandaria, por sinal situada num dos melhores centros comerciais de Abidjan. Comecei por achar curiosa a forma exaustiva como identificam cada peça: o que é, de que côr, com que padrão e de que marca! Por exemplo, "1 camisa, azul e branca às riscas verticais, Massimo Dutti". Isto tudo manuscrito, claro, num papel químico do qual nos entregam o original. E de lá saí, muito satisfeito e até divertido com o processo. Mal adivinhava eu a surpresa que iria ter mais tarde.
Quando estava a planear mentalmente o dia de amanhã, dei por mim a pensar se seria melhor ir buscar as camisas de manhã ou de tarde. E então fui confirmar a data de entrega. Segunda-feira próxima!!! Acho que a máquina deles também não deve estar a funcionar. E cá estou eu a reprovar de novo...

domingo, 10 de agosto de 2008

Respeito

Não tenho pressa. A ideia de estar aqui para ficar teve este efeito em mim: retirou-me a sofreguidão de conhecer com que costumo encarar cidades onde nunca estive. Normalmente, faço planos, vejo mapas, desenho rotas, aponto nomes, faço quilómetros e quilómetros. No fundo, preparo tudo para poder tirar o máximo num tempo limitado, faço dos lugares uma refeição fast-food. Assumo que me torno um consumista do espaço.
Mas aqui, não. Esta cidade é uma mercearia tradicional da Baixa do Porto, com cheiros, sabores e jeitos próprios, e que serão os meus durante uns anos. Por isso, sinto que tenho de os aprender e apreender, deixar em lume brando para libertar o que de melhor têm os ingredientes. Acaba por ser uma forma de respeito: quero assumir, e não consumir, Abidjan. E espero assim, com o tempo, ganhar o meu espaço, revelar as minhas preferências, construir a minha própria cidade.
Estou em ritmo de maratona, em processo de libertação prolongada. Os pacotes turísticos ficam para outras paragens.

sábado, 9 de agosto de 2008

Razão

Começo a desconfiar que há uma cabala de aparelhos e mobília contra mim. Depois do router de internet do hotel se ter recusado a funcionar dentro do meu quarto, obrigando-me a improvisar um escritório à porta, hoje houve novo episódio de rebelião: o sofá recusou-se a passar nas portas de acesso ao elevador de carga. Acontecer uma vez, é um acaso. Duas, uma coincidência. Se houver terceira, passa a ser um padrão...
Apesar de ter sido um episódio desagradável, também teve uma parte engraçada, que foi a luta entre homem e material. Depois de os senhores terem experimentado as várias posições, num bizarro Kama Sutra entre um sofá e uma porta, para o fazer passar a ombreira, facilmente cheguei à conclusão que era impossível. Isto sem destruir nem o sofá, nem a porta. Claro que os senhores não foram da mesma opinião, e lá continuaram a repetir os mesmo movimentos, numa sequência que passou a ser previsível. Após muita madeira estalada (a partir de certa altura, passei a olhar para aquilo como um desconto em movimento!) e uma calha plástica de fios eléctricos como dano colateral, lá fui obrigado a abortar a operação. E o sofá continuava fora da porta...
Citando o pai de uns amigos: o material tem sempre razão.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Isolamento

Até hoje ainda não tinha tido grandes problemas de ligação com o exterior, fosse por telefone ou internet. É verdade que a ligação telefónica é um pouco volátil, sobretudo quando do outro lado está um país de África Central, mas funciona decentemente. E quanto à internet, à parte causas antropogénicas (vide "Prioridades"), manteve sempre um desempenho que nem se fazia notar. Quer isto dizer que sempre funcionou bem, de modo a que foi possível manter como adquirido esse dado que é a existência de internet.
Porém, esta semana foi diferente. Problemas constantes na rede, chamadas que não passavam, internet que não funcionava, culminando no dia de hoje, em que estive praticamente isolado do mundo. Nem o fax funcionou! Experimentámos o do escritório, sem sucesso. Fomos a uma loja que providencia esse serviço, e também nada. Mas aí talvez tenha sido pela barata que vi entrar para dentro do aparelho. É caso para dizer que a rede tinha um bug!

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Independência

Hoje não escolhi tema para escrever. Antes, o tema apresentou-se, incontornável.
O dia 7 de Agosto é feriado nacional na Costa do Marfim, celebrando a Independência deste país da alçada francesa. Consta que os primeiros europeus a cá chegar foram os portugueses João de Santarém e Pedro Escobar, no século XV, tendo iniciado o comércio de escravos e de marfim. Mais tarde, juntaram-se holandeses, ingleses e franceses. Em finais do século XIX, a Costa do Marfim tornou-se uma colónia francesa, e assim haveria de permancer até 1960, altura em que se tornou independente. O seu primeiro presidente foi Félix Houphouët-Boigny, que se manteve no cargo até falecer, em 1993.
A celebração, legítima, deste dia faz-me pensar no valor da independência. Este país, pós-independência, teve uma época de prosperidade, o que também não seria difícil: com tanto potencial (reconhecido a uma grande parte dos países africanos), foi como abrir a comporta duma barragem e deixar fluir a água. Durante o "reinado" de Boigny, foram aparecendo os sinais de apodrecimento do poder: partido único, o culto da imagem do presidente e chamado pai da nação... E após a sua morte, a Costa do Marfim foi saltando entre episódios de instabilidade, manteve problemas sociais e políticos graves e foi entrando numa decadência da qual parece querer começar a sair.
Quantos anos serão precisos para que a celebração da independência possa ser plena? Quantos anos serão precisos para que uma independência cristalizada se desenvolva?

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Imaginar

Hoje passei uma parte do dia numa vila a cerca de 20 km de Abidjan, chamada Anyama. Contudo, as diferenças fazem imaginar uma distância bem superior. E foi lá que, pela primeira vez, me apercebi realmente do problema que é a alfabetização (ou a falta dela).É certo que não é uma novidade. É certo que já sabia de antemão que existia. Mas é só quando vemos o impacto que tem no dia-a-dia das pessoas que verdadeiramente compreendemos. Até aí, é uma estatística, é um número; a partir daí, é uma barreira, é um obstáculo. Não conseguir ler uma notícia, não conseguir ler uma placa de sinalização, não saber escrever o nome… A Costa do Marfim tem cerca de 40% de analfabetos, e é dos melhores de África. Significa que em cada 10 pessoas, 4 são analfabetas. Significa que quase uma em cada duas pessoas, não sabe ler ou escrever. Conseguem imaginar?

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Choque de culturas

Hoje fui às embaixadas de França e dos Estados Unidos, para me informar sobre os seus programas culturais, cujas diferenças começaram na própria visita.
Comecei por me dirigir ao Consulado Geral da França, onde após muitas perguntas e algum tempo, me enviaram para a Embaixada francesa. Chegado à Embaixada, recambiaram-me para o Consulado, com telefonema feito para garantir que por lá ficava. Mas, como nunca basta um telefonema, voltaram a mandar-me para a Embaixada, mas desta vez não saí do Consulado sem ter nomes de pessoas a quem me dirigir. E lá fui, ter com o Mr. Benoit ou com a Mme. Julliette. Ainda bem que Consulado e Embaixada são próximos...
Encontrei-me com a Mme. Julliette, que apesar de muito simpática, não me resolveu nada. Disse-me para escrever uma carta ao Conselheiro Cultural e outra ao Embaixador, a explicar o que pretendia, que eles depois entrariam em contacto comigo. Concertos, encontros, festas? Agora, daqui a um mês, para o ano? "Escreva uma carta ao Conselheiro e outra ao Embaixador e eles entram em contacto consigo". Saí de lá com um postal, com os contactos a quem escrever a carta.
Depois fui à Embaixada dos Estados Unidos. É verdade que esperei um bocado, mas depois de entrar, encontrei-me com a Mme. Angoran, que me explicou o funcionamento da Embaixada, imprimiu-me os documentos da programação cultural, inscreveu-me na base de dados, contou-me o que tinham feito este ano, o que estão a preparar até ao fim do ano e um pouco do que vão fazer em 2009. Saí de lá com uma revista, um catálogo, duas impressões de diferentes tipos de programas, um cd-rom, uma inscrição que me dá acesso a 24 números online da newsletter da Embaixada e um convite para o próximo evento a 3 de Setembro. E mais uma explicação dos programas que fazem para grupos e a forma de acesso à biblioteca, da qual terei um cartão.
As diferenças entre a Velha Europa e a Terra das Oportunidades têm de estar em algum lado. E, como provam as Embaixadas, é possível transportar modelos de funcionamento. O problema é que os maus também apanham o barco...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Normalidades

Os momentos em que me tenho sentido mais diferente e desenquadrado do que me rodeia são aqueles em que peço uma factura das minha compras. Imediatamente recebo um olhar que será o equivalente ao de se pedir uma francesinha sem queijo nem molho no Porto. Depois, indicam-me uma qualquer outra pessoa (normalmente cada loja tem uma pessoa que se encarrega das facturas), que raramente está no seu lugar, já que não tem muito trabalho. E finalmente, essa pessoa passa a factura sem grande vontade, até porque são manuscritas.
Ora, hoje tive mais dois desses episódios, cada qual com particularidades muito interessantes. Num deles, tive de esperar cerca de 25 minutos: era a factura da loja da louça e talheres (cada peça repetida 8 vezes), por isso compreendo porque é que as meninas da caixa se riram ao indicar "o senhor que passa facturas". No outro, pediram-me 100 FCFA, coisa inédita. Quando perguntei se era pelo trabalho ou pelo papel, responderam-me que era pelo selo. Nada a dizer, portanto. Apesar desta ser a dita factura normalizada, de normal tem ainda muito pouco.

domingo, 3 de agosto de 2008

Contraste

O domingo no Plateau (centro de Abidjan, onde habito) é de uma tranquilidade difícil de imaginar durante o rebuliço do resto da semana. Sendo uma zona de comércio e escritórios, é natural que assim aconteça, mas não deixa de ser um contraste surpreendente. As hiperactivas buzinas, os motores em mau estado, os engarrafamentos, os milhares de pessoas na rua, tudo desaparece. É uma cidade dentro da cidade, é uma cidade matrioshka. E à sua imagem, também eu tive um domingo tranquilo, passado em casa, numa tentativa (ou será já um resultado?) de me adaptar ao ritmo hebdomadário da cidade.
Mais umas horas, e a vida volta ao Plateau. Quem será o primeiro a buzinar?

Fazer a cama

Em menos duma semana, o Sr. Moussou fez-me uma cama por encomenda. E que agradável surpresa!
Na realidade, apesar de não duvidar da mestria e capacidade deste artesão, não pensei que a qualidade fosse tanta, sobretudo depois de não ter vislumbrado, no seu estabelecimento face à lagoa de Abidjan, um espaço suficientemente plano onde pudesse experimentar se as quatro pernas assentavam bem no solo. Mas a verdade é que a cama já aqui está no apartamento e posso dizer que é a mais sólida que alguma vez tive! A arte é também uma adaptação às condições. Obrigado, Sr. Moussou!

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Perspectiva

Finalmente em casa. Após mais de um mês no hotel, mudei para o apartamento. Estou contente, mas decerto não devia. Afinal, até agora tinha quem limpasse o quarto e fizesse a cama; deixei de ter. E troquei o meu confortável sofá por uma cadeira de plástico numa sala vazia, tão vazia que até faz eco.
Mas este apartamento tem muito potencial, e já imagino como estará daqui a uns tempos. É a perspectiva, é o que fazer com um espaço que agora é só meu, que me dá prazer. Ainda que hoje vá dormir num colchão sem cama...

Simpatia

Amanhã deixo o hotel! E tenho um 14º andar totalmente vazio à minha espera...
Nestes últimos dias tenho andado à procura de móveis e electrodomésticos. O que também é uma aventura porque, simpaticamente, tudo é negociável. Na prática, isto significa que nunca um preço afixado é o verdadeiro e que, a menos que entremos num jogo de argumentos, paciência e perseverança, vamos pagar mais do que deveriamos.
Mas nem tudo tem corrido mal, neste processo cansativo. Após ter conseguido umas boas camas por um preço muito aceitável, hoje consegui os electrodomésticos básicos por um preço também ele razoável. Depois, evidentemente, de passar por diversas lojas onde me garantiam os preços mais baixos de toda a cidade e até faziam um desconto especial por ser a minha primeira vez em Abidjan! Simpaticamente, claro.