segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Anúncio

A mensagem de hoje é também um anúncio, embora antecipado.
Como talvez tenham reparado, as crónicas dos últimos dias têm sido feitas a horas avançadas, justificadas por razões profissionais. Assim, acho mais razoável fazer hoje aquilo que tinha previsto para o próximo sábado, que é agradecer a vossa companhia e despedir-me temporariamente do blog. Não que me vá ausentar totalmente, mas passarei a uma frequência menor e sem dias previstos.
Daqui a uma semana já estarei em Portugal, portanto, até breve!

domingo, 14 de dezembro de 2008

Adaptação

Julgo que há dois elementos muito importantes para uma condução sem percalços aqui. Uma é usar o carro para criar (e criar é a palavra) espaços. Vai-se fazendo "encosto de ombro" sem encostar realmente, empurra-se, força-se, espera-se que o condutor do carro ao lado seja menos teimoso que nós e está feito. A outra coisa é fazer tudo isto lentamente.
Como é evidente, um ritmo baixo tem algumas vantagens, entre elas o permitir uma adaptação de quem se encontra em redor. Quando as coisas são feitas bruscamente, é talvez uma questão de sorte não haver um acidente. Ao serem feitas muito devagar, torna-se uma questão de personalidade: "eu tenho menos medo de esmurrar o carro e sou mais insistente que tu!".

sábado, 13 de dezembro de 2008

Prazos

Mesmo quando alguém nos diz, com a maior das confianças, um prazo para algo estar pronto, há que desconfiar (para não dizer que não se deve acreditar).
Tomo como exemplo o cartão de débito da minha conta do banco. Abri-a há quase 2 meses, e na altura disseram-me que no máximo dos máximos em 3 semanas teria o cartão pronto. Prazo esse que foi protelado para "antes do Natal". E finalmente, hoje fiquei a saber simplesmente que ainda não está pronto, e não me foi dada nova previsão.
Sinceramente, antes prefiro assim, que pelo menos não há enganos: está pronto quando estiver. Não me resta muito mais senão resignar-me...

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Dilúvios nocturnos

Tal como quando não temos muito para dizer, mas queremos fazer "sala", hoje vou falar do tempo. Porque quero manter, por enquanto, este ritmo diário de mensagens no blog, mas não tenho um tema mais interessante para desenvolver.
Regularmente, durante a noite, chove torrencialmente. Sei-o porque o barulho de chuva a bater nos vidros é muito característico. Mas quando digo torrencialmente, são verdadeiros dilúvios. Que foi o que aconteceu hoje. Mas a verdade é que, durante o dia, não é muito comum chover, pelo menos em tal quantidade.
Ou seja, e para finalizar esta mensagem tão desinteressante, amanhã-se espera-se bom tempo e 35º.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Rapidez

Um dia inteiro para fazer um download: foi esse o acontecimento do dia. Sendo verdade que era um grande ficheiro, tal lentidao é dificil de aguentar.
Mas a tecnologia nao tem estado a meu favor: computadores lentos e a encravar, internet que se arrasta, impressora que parece a mais lenta do mundo... Enfim, toda uma série de coisas que me consomem a paciencia.
Acho que quando chegar a Portugal, tudo me vai parecer hiper-rapido. E estou mesmo a precisar.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Oficialmente mais gordo

Estou oficialmente mais gordo. Apercebi-me que tenho estado em negação, que me é permitida pela ausência duma balança em casa. No entanto, a chegada a Abidjan de alguém que me viu pela ultima vez ha 6 meses, dissipou qualquer duvida...
Agora tenho duas opções: conformar-me com a situação (presente e futura) ou trabalhar para abater. A escolha é para mim evidente, por isso convidem-me para tudo o que for actividade fisica enquanto estiver em Portugal.
Para piorar a situação, vou aterrar em casa numa época critica: rabanadas, a melhor mousse de chocolate do mundo, bacalhau cozido e os imensos jantares ja marcados... para mencionar apenas algumas das tentações. Ao que um homem chega...

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Tabaski

Hoje também é feriado aqui. É o tabaski, festa do sacrifício, de que já falei aqui. E para que seja respeitada a tradição, os últimos dias e nomeadamente ontem, foram de rebuliço para comprar carneiros. Foi uma versão antecipada e diferente de fazer compras de Natal no último dia...
No caminho para o aeroporto, na zona de Port Bouët, encontra-se grande parte dos comerciantes de gado. E assim o comprovei ontem, quando na ida para Bassam fiquei preso num engarrafamento devido à multidão que por ali andava a comprar, vender, prender, e atravessar a estrada com carneiros. Comecei por ver uma gbaka com dois infelizes animais em pé, em cima do tejadilho. E daí para diante, não melhorou, para a minha sensibilidade moldada (também) pelos direitos dos animais.
Todos os anos, nesta manifestação, há mortos e feridos devido aos assaltos. Porque vem muita gente de muitos sítios, com muito dinheiro vivo no bolso, para comprar os carneiros. E, em tal multidão, misturam-se os ladrões, muitos dos quais armados. Por isso, também por lá andava muita polícia, com armas a tiracolo e lança-granadas de gás lacrimogéneo. Aproveitavam também para fazer de polícia de trânsito, porque no meio de tanta espera, muitos condutores seguiam em contra-mão.
O tabaski é um dos 5 pilares fundamentais da religião muçulmana, em que todos os que tiverem posses, devem sacrificar um carneiro e distribuir a sua carne pelos mais necessitados. Até aqui, tudo bem... mas escusavam de pôr os bichos em cima do tejadilho.

Alcatrão novo

A estrada para Bassam melhorou bastante! Hoje fui lá almoçar e tive essa agradável surpresa.
Na realidade, havia um troço da estrada na direcção Abidjan-Bassam que estava destruído, julgo que desde a (e devido à) guerra civil. Nessa zona, a circulação era feita em contra-mão, o que se tornava uma boa forma de congestionar o trânsito nos dois sentidos.
Mas finalmente, e contrariamente ao hábito do "deixar estar", neste caso foram feitas obras e aquele pedaço de estrada foi repavimentado! Acho que é a primeira vez que aqui vejo uma obra deste estilo aqui, e podem por isso imaginar a minha satisfação e surpresa quando me vi a rolar sobre alcatrão novo.
A verdade é que era uma obra que se impunha, e ainda bem que a completaram. Agora, ir a Bassam é muito mais rápido e cómodo. E a polícia sempre tem mais um pedaço de rua onde pode utilizar os seus radares.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Coberturas

Ao longo da estrada em direcção a Youpougon, encontram-se aquilo que parecem coberturas para os colchões das camas, presas a dois paus e insufladas pelo vento. As cores e os padrões são vários.
Durante algum tempo não percebi o que eram realmente aquelas coisas. Pensei que fossem mesmo coberturas de colchões que estavam a secar. Mas não deixava de ser esquisito, porque surgiam em locais onde não existem cursos de água onde pudessem ser lavados...
Finalmente, e porque perguntar costuma ser uma boa solução, lá me disseram que são coberturas mas para automóveis, que se encontram assim expostas para venda. Os proprietários estão normalmente próximos, numa qualquer zona protegida do sol.
Uma única vez vi uma venda a ser feita, e tenho a certeza que é um produto de baixa rotatividade porque durante muito tempo vejo as mesmas coberturas nos mesmo sítios. E não será por haver muito stock duma cor ou padrão. Por outro lado, não sei quanto custam ou qual é a margem para o vendedor, mas não é certamente um produto caro. Por isso me surpreende que possa ser um negócio, mas é. E sempre serve de decoração para as bermas da estrada.

Aculturação

Ir a um bar aqui faz-nos sentir enferrujados mas é muito giro. Recomendo.
É engraçado ver como temos ritmos diferentes. A música tem uma batida muito característica, o que conduz a movimentos muito característicos também. A determinada altura, damos por nós a tentar imitar mas a perceber que nos falta alguma coisa... ou pelo menos é essa a minha sensação.
Imagino que seja como com as línguas e os sons. Neste caso, há movimentos que nos parecem proibidos, não estamos habituados, parece que não os temos. E eu até acho que sou razoavelmente coordenado, mas há momentos em que me sento e observo.
Ora, se quando estiver em Portugal, tiver algumas manobras um bocado esquisitas aos nossos/vossos olhos, deve ser sinal de aculturação.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Monopólio

Já aqui tive oportunidade de escrever sobre as pinturas nos táxis, e sobretudo os escritos nos pára-choques traseiros. Mas só recentemente me apercebi do monopólio que ali existe!
A caligrafia é algo muito próprio, com características que até revelam traços de personalidade. Não sei quais serão os deste pintor, mas a verdade é que a maior parte daqueles pára-choques passaram pela mesma mão, porque a letra é a mesma. Parece que fica em Treichville...
Não deixa de ter piada: existem milhares e milhares de táxis, e escrever num pára-choques nem parece ser muito difícil, pelo que a concorrência deveria ser maior. Assim, fico curioso para saber qual é o segredo deste pintor, que parece atrair todos os que querem personalizar os carros. Um dia ainda lá vou.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Horários

Quase todos os dias, cedo pela manhã quando vou para o trabalho, passo por um sem-abrigo em movimento. Infelizmente, não é o único sem abrigo, mas é a parte do movimento que me leva a escrever.
Aparentemente, todos os dias ele percorre aquele caminho, no sentido II Plateaux-Marcory pela manhã, e vice-versa pela tarde. Sempre de frente para o movimento dos carros (e não há sinais que sugiram tal comportamento), lá anda de um lado para o outro.
Não sei para onde se dirige, não sei o que vai fazer, ou se respeita simplesmente um hábito. Mas a verdade é que não lhe deve ser indiferente estar num ou noutro lado, e por isso todos os dias segue o seu ritmo circadiano.
Acreditem ou não, sinto algum carinho por aquele sem-abrigo. Não o conheço, nunca falei com ele, não sei as razões da sua condição. Mas, sinceramente, acabo por respeitar o que ele faz. Pelo menos cumpre horários, que é mais do que muitas outras pessoas.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Transplante

Toda a gente me diz que em Portugal está muito frio. E eu acredito, não só porque ainda não me esqueci que isso é possível, mas também porque nos últimos dias tenho visto as notícias dos nevões.
Pois eu confesso que isto de estar sempre calor, até me confunde um bocado. Porque eu sei que o Natal está a chegar... mas não parece! Além de não ter o frio para confirmar a época, também não tenho as luzes na baixa nem a música dos Wham nos elevadores.
Por isso, aterrar em Portugal em plena quadra festiva será um verdadeiro transplante. Até vai ser giro, desde que me levem um casaco quente ao aeroporto...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

2128

Ao sair do trabalho, hoje, tinha um presente à minha espera. Num céu absolutamente limpo, a lua em quarto crescente encontrava-se acompanhada de dois planetas, Júpiter e Vénus. Ainda que distem milhões de quilómetros uns dos outros, hoje estavam na mesma tela, no mesmo plano. Uma questão de perspectiva, dirão os mais pessimistas. Ou a prova de que há aproximações impossíveis que acontecem, argumentarão os optimistas.
Eu não percebo praticamente nada de astronomia, e talvez seja essa ignorância que alimenta o meu fascínio. Nos arredores de Montpellier, em locais pouco iluminados, passava muito tempo a observar as estrelas, os planetas e até os satélites em trajectórias cruzadas em torno da Terra (perdoem-me o abuso de incluir satélites na astronomia). Na altura até aprendi a identificar algumas constelações. Hoje, esse fascínio voltou, e seria capaz de ficar a observar aquele espectáculo durante muito tempo.
Agora, só em 2052 se voltará a dar tal conjugação de astros. Esta é outra coisa a que sempre achei piada: quando acontece um fenómeno destes, e nos dizem que só daqui a dezenas de anos se repetirá, mesmo aquele que nunca olha para cima sai à rua para ver o que se passa. Temos sede de coisas únicas e temos, sobretudo, medo de as perder. Eu não sou diferente, apesar de olhar muito para cima e de apontar às estrelas sem que me tenham alguma vez aparecido cravos nas mãos. Mas a partir de agora vou tentar dar esta perspectiva a outras coisas: por exemplo, quando fizer uma viagem que será difícil de repetir, vou escrever no bilhete do avião "Nunca mais" (ou 2128, que o efeito será idêntico mas é mais fácil de imaginar). E ainda por cima, vou tirar fotografias!

domingo, 30 de novembro de 2008

Eleições

Dia 30 de Novembro era o dia para o qual estavam marcadas as eleições aqui na Costa do Marfim. Mas a impossibilidade disso acontecer, há já meses antecipada por muitos, foi finalmente confirmada há cerca de 2 semanas, quando as eleições foram oficialmente adiadas sem data definida para a sua concretização.
A verdade é que estas eleições não interessam muito a quem está no poder. Porque há a possibilidade de perderem e porque eleições acabam por ser momentos de mudanças, de rearranjos, de melhorias.
Sinceramente, vejo com alguma apreensão o futuro deste e doutros países africanos. Acho que é possível que estabilizem, mas a tentação do poder, as assimetrias, e os interesses nacionais e internacionais, levam-me a pensar que será difícil a curto ou médio prazo terem dirigentes e níveis de corrupção que lhes possibilite dar realmente o salto. O que é uma verdadeira pena...

sábado, 29 de novembro de 2008

Estúdio

Hoje passei o dia num estúdio de gravação, que aparentemente é o melhor de toda a África Ocidental. O que me leva a pensar nos extremos que aqui se misturam.
Abidjan é a grande cidade de África de Oeste. Por isso, sempre que vamos a algum sítio bom, corremos o risco de estar no "melhor" de toda a região. Porque normalmente, não há intermédios, não há meios. Ou se está na extremidade do muito bom, ou na do muito mau.
O estúdio em si não tinha nada de especial, e o macintosh com duplo ecrã destoava em matéria de modernidade do material que o rodeava. No entanto, funcionava bem e o profissional que lá estava sabia o que fazia.
Assim, acabou por ser um dia engraçado, passado num espaço que parecia, alternadamente, um museu e um estúdio moderno. Acima de tudo, o resultado foi bom, o que confirma a extremidade em que nos encontravamos.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Hábito

Depois de um período de alguma acalmia, voltei a ter uma semana de problemas em casa. Parece que as coisas, boas ou más, vêm por atacado...
Assim, no passado fim de semana, um dia acordei sem electricidade em casa. Mais estranho ainda era a combinação de interruptores que fazia alguma coisa funcionar: colocando um interruptor da luz do corredor numa determinada posição, acendia a luz ao... ligar a climatização! E era a única coisa que funcionava, ainda que dessa forma bizarra.
E na quarta feira passada, tive uma pequena inundação na cozinha. Foi a canalização da banca que cedeu.
Portanto, e após algum tempo de descanso, tive novamente visitas de electricista e canalizador. Que é para manter o hábito...

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Descubra as diferenças

Não é de agora que se ouve falar da entrada de marcas de automóveis chinesas no mercado. Na Europa, as exigências ambientais e de segurança têm-lhes colocado entraves. Mas aqui, isso não existe.
E por isso, os carros chineses já aqui estão. Não é novidade, há já algum tempo que os tinha visto, mas em modelos de trabalho, com menos traços distintivos. No entanto, hoje foi diferente.
É que dos carros chineses também se diz que são híbridos de design. Copiam a frente dum modelo, a traseira de outro, juntam tudo e têm um carro no qual nada investiram em termos de design. E não é que enganam bem? A certa altura hoje, chamou-me a atenção um BMW X5, por ser um pouco esquisito. Seria um kit mais arrojado, um tunning mais extravagante? Não, era um veículo chinês, cuja traseira era igual ao X5!
Também é verdade, segundo me dizem, que existem veículos chineses "autênticos": contrafacção de automóveis, cópias piratas! O que torna muito mais emocionante ir comprar um automóvel a um daqueles stands de rua, porque o vendedor vai vendê-lo como autêntico. E é ao cliente de descobrir as diferenças!

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

3 Rs

Aos poucos, e com especial incidência nos últimos anos, a política dos 3 Rs foi sendo interiorizada por uma parte substancial da população portuguesa. Eu, que vivia na Maia, tive até o privilégio de estar no zona pioneira da recolha selectiva porta a porta. O que, diga-se, funcionou muito bem. Pouco tempo depois, sempre que passava em zonas com os sacos plásticos pousados à porta, o cenário já me parecia desactualizado.
E eis-me agora aqui, onde o que acabei de descrever não é senão uma miragem. Reduzir não faz parte dos planos, porque não há planos. Reciclar é ficção científica. Quanto a reutilizar, é verdade que vai acontecendo, mais por necessidade do que por consciência ecológica. Ou seja, a garrafa de plástico que mandamos para o lixo, será possivelmente utilizada por alguém para fazer alguma coisa. As garrafas de vidro servem para vender por uns cêntimos, e devem usar para guardar amendoins, por exemplo.
Confesso que me faz alguma confusão, ver os lixeiros a carregar os detritos que se acumulam às portas das casas ou prédios. E faz-me confusão porque já vi alguns dos sítios para onde transportam o lixo. Não consigo deixar de pensar que é uma forma de varrer o lixo para debaixo da carpete, mas em ponto grande.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Compreensão

Perceber francês já não me é muito complicado, exceptuando algumas situações. São elas ambientes com muito ruído ou ao telefone, se o interlocutor não tiver uma dicção clara.
Então ao telefone tenho situações muito engraçadas, em que a cada vez que digo que não percebi, do outro lado aumenta o volume... mas repetem a frase, palavra por palavra!
Como resolver o imbróglio? Normalmente, e perante a resistência do outro lado em explicar duma forma diferente aquilo que quer dizer, sou eu que começo a desmontar a frase. Isolo uma palavra (que normalmente não percebi, mas imito o som) que me pareça particularmente importante e pergunto o que é.
Costuma bastar um destes ciclos para perceber o sentido do que me haviam dito originalmente. E de cada vez que acontece, não posso deixar de me lembrar do português que grita para o alemão "é sempre em frente... É SEMPRE EM FRENTE!!". Mas o importante é que nos vamos compreendendo.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Jogo

Todos os dias, por volta da hora do almoço, há um grupo de jovens que se juntam num passeio perto de minha casa para jogarem aos dados. Jogar a dinheiro não é permitido, e provavelmente eles negarão que o fazem. Mas eu acho que sim, tal é o fervor.
Ou então, à falta de dinheiro, jogarão a algo que o substitua. Lembro-me de amigos meus darem camisolas, sapatilhas ou outras coisas mais depois de sextas-feiras de azar a jogar à lerpa. Pelo que me dizem, aqui isso também é frequente.
Eu não sei quanto tempo eles ali ficam a jogar, nem desde quando o fazem ou se têm um campeonato organizado. Mas talvez estejamos em altura de jogos importantes, porque nos últimos dias têm-se juntado um grupo maior.
Aqui, acho que foi o que de mais parecido encontrei com os reformados a jogar à sueca nos jardins do Porto. A mesa é improvisada em cima dum pilar de cimento, não existem bancos, não é um jogo de cartas, nem são reformados. Mas há um jogo, jogadores, espectadores, opiniões e discussões. Mas nunca vi o copo de vinho tinto.

domingo, 23 de novembro de 2008

Clube "505"

Este fim-de-semana, tomei conhecimento dum outro tipo de transporte público (ou semi-público) existente em Abidjan, além dos woro-woro e das gbaka.
Muitas pessoas, sobretudo durante o fim-de-semana, se dirigem para a zona de Bassam, tal como eu fiz ontem. É uma zona de praias, com muito comércio e muitos maquis (pequenos restaurantes de comida africana), o que acaba por ser um pólo de atracção.
Para assegurar o transporte entre Abidjan-Bassam-Abidjan, há então umas carrinhas que se aglomeram (uma característica que parece intrínseca a todas as situações relacionadas com trânsito por aqui), em longas filas e normalmente nas imediações de cruzamentos. O que é engraçado é que são todas da mesma marca e modelo: Peugeot 505.
Imagino que esta preferência pelas Peugeot 505 tenha algumas razões, que se prendem sobretudo com espaço e rentabilidade. Não sei se têm horários definidos, imagino que partam quando a lotação estiver esgotada. E é assim que durante os fins de semana, a estrada para Bassam mais parece palco duma concentração do clube das "505".

sábado, 22 de novembro de 2008

Mais um...

Não resisto a contar mais um episódio passado com a polícia de trânsito. Passou-se hoje, no regresso duma ida à zona de Bassam.
O senhor polícia estava desocupado e não parecia com grande vontade de trabalhar. Claro que não resistiu a parar-nos, como acontece normalmente...
O problema é que os outros colegas estavam ocupados e portanto havia uma fila de 4 ou 5 carros já estacionados, o que nos obrigou a parar mais adiante. O outro problema é que hoje esteve muito calor, o que torna mesmo as deslocações mais pequenas em desagradáveis peregrinações. E foi assim que, sem se deslocar um metro que fosse, nos mandou seguir viagem.

Comichão

Sabem aquela comichão no nariz que surge sempre quando estamos no barbeiro/cabeleireiro com as mãos debaixo daquela bata para aparar os cabelos? Pois essa comichão é internacional.
Tal como prometido, hoje fui cortar o cabelo. E tal como da outra vez, voltou a ser a dona Anita, francesa de Nantes e muito simpática, a cortar-me o cabelo. Mas, independentemente disso, entre conversa de cortesia e partilha de histórias e experiências africanas, eis que surgiu a comichão...
Se algum dia eu for barbeiro, juro que vou reparar quando o cliente começar a torcer o nariz enquanto fala. E vou pôr uma placa a dizer "autorizado a coçar o nariz em qualquer altura". Porque é certo que não é grave, mas que é desagradável, é.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Nada

Hoje vou escrever uma mensagem praticamente sobre nada. Sinto-me muito cansado, e não me apetece pensar muito para arranjar um tema suficientemente interessante. Espero que me desculpem.
Há dias que são mais complicados, e que são psicologicamente mais agressivos. É nesses que dá vontade de conversar, sobre coisas simples (hoje poderia ser o resultado do jogo da selecção de futebol, por exemplo), ou então vegetar um bocado frente à televisão. Por falar nisso, a emissão online da RTP tem estado sem som...
Então o que é que eu fiz? Liguei a música, como sempre faço, mas hoje para ouvir em exclusivo (e com várias repetições) o cd da Mariza. Entre a música e a companhia online de várias pessoas (bendita tecnologia!), sinto-me melhor. E agora vou dormir, que dizem que a noite é boa conselheira.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Elasticidade

As mulheres que por aqui andam com a fruta e os amendoins à cabeça, têm uma elasticidade impressionante! Entrassem hoje no Holmes Place e batiam as escalas do teste que lá fazem.
Envolvidas nos seus panos coloridos, de cada vez que têm um cliente, pousam a bandeja que transportam à cabeça no chão e, sem dobrar os joelhos, servem o cliente. Se fizessem isso com papaias, não me surpreenderia tanto: com um bocadinho de esforço, eu também conseguia. Agora, com amendoins? Isso é que já é demais. E ainda se dão ao trabalho de, sem levantar as costas nem dobrar os joelhos, apanhar alguns amendoins que caiam da bandeja!
É impressionante porque fazem isso aparentemente sem esforço, e estão naquela posição o tempo que for preciso. Para terminar, levantam a bandeja forçando as costas, num movimento que contraria todas as indicações e as sujeita a hérnias e outros problemas.
Após tudo isto, já com a bandeja à cabeça, são bem capazes de "montar" um bébé às costas. E seguem até ao próximo cliente.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Cabeleireiro

Começa a chegar o momento de ir cortar o cabelo. Nada de extraordinário, mas há que ir a algum sítio onde estejam habituados a lidar com "isto".
"Isto" (ou melhor, "isso") foi a forma como se referiram ao meu cabelo da última vez (e primeira aqui) que o fui cortar. Perguntei onde poderia ir e disseram-me que havia alguns estabelecimentos habituados a "isso".
E assim, lá fui parar ao cabeleireiro da dona Anita, uma francesa de Nantes que está em Abidjan há muitos anos. Foi uma experiência engraçada, emoldurada por uma senhora com os rolos no cabelo, muito velha e a fumar.
Já a dona Anita, muito simpática e profissional, nunca se deixou incomodar pelas conversas de cabeleireiro em torno dela, e lá me fez um bom corte à tesoura. Está na hora de voltar.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Arrumadores

Os arrumadores de automóveis não são uma classe profissional que apenas exista e prolifere em Portugal. Aqui há imensos e em grupo, sendo menor o sentido de territorialismo do que o manifestado pelos lusos.
Presumo que, entre estar na rua sem fazer nada (como tantos estão) ou então fazer de conta que se arrumam carros, mais vale ir ocupando o tempo dessa forma, e ainda se ganham uns trocos para tabaco.
Por outro lado, os arrumadores aqui são uma classe ainda menos considerada do que em Portugal. Como, em geral, os carros que circulam não respeitam quase nada, porque haviam de respeitar um civil que de repente lhes pede para parar? É que nem abrandam! E a grande maioria dos condutores que estão estacionados também não confia no "venha, venha, venha!" do arrumador. Se assim o fizer, a probabilidade de acidente é grande e acontecem regularmente.
Mas eles, sempre em grupo, lá continuam todos os dias nos mesmo sítios. Uma das grandes diferenças que noto para os de Portugal, é que estes pegam cedo.

domingo, 16 de novembro de 2008

Zouglou

Um estilo de música que tem conhecido bastante êxito em Portugal ultimamente, é o kizomba. É uma dança africana, de origem angolana, e tem bastante ritmo. Muito ritmo tem também o estilo de música típico daqui que, fazendo jus à mensagem de ontem, teve origem nos anos 90.
Chama-se zouglou e toda a gente por cá parece apreciar bastante. Cantam em todo o lado, sozinhos ou em conjunto, na presença de outras pessoas ou não. E claro que os dotes musicais também não entram na equação.
Um dos grupos mais conhecidos deste estilo musical é o Magic System e tem músicas engraçadas. A batida é fácil de reconhecer, a letra nem sempre, porque entre o francês também vem o calão ou os dialectos. Mas, no geral, as letras apelam a situações do quotidiano e são também letras de esperança e intervenção. Falam, por exemplo, da forma como Laurent Gbagbo veio do povo e hoje é presidente da república ou como Didier Drogba, da mesma origem, é hoje futebolista de gabarito internacional. Julgo que é isso que justifica o seu sucesso.

sábado, 15 de novembro de 2008

Espiritualidade

Já aqui tive oportunidade de escrever, por uma ou duas vezes, sobre a forma de vida instantânea que por aqui vou constatando. Referi a falta de sonhos, de objectivos e de planos futuros como paradigmáticos dessa atitude.
O que me faz voltar ao assunto é que, olhando para trás, o panorama parece-me idêntico. Passo a explicar-me: a história é muito curta, é uma história que quase não o é e, ainda para mais, reporta-se sobretudo ao período do colonialismo.
A história dá-nos raízes, dá-nos um rumo, liga-nos a um passado que acaba por se tornar um pouco nosso. A minha maior experiência com barcos prende-se com ferrys para atravessar o Rio Minho ou barcos turísticos para passear no Douro; mas tenho caravelas e astrolábios no imaginário. A minha experiência com espadas não vai além do baralho de cartas; mas quase sinto o peso da espada de D. Afonso Henriques.
Pegando em livros ou viajando por Portugal, temos a oportunidade de andar para trás no tempo. No granito e no mármore desgastado das igrejas e castelos reconstituímos os passos dos nossos antepassados. Pelos livros nos indignamos com a forma vil como Viriato foi morto. E se nada disso existisse?
Sinto que isto acontece aqui. Eu talvez saiba mais da história da Costa do Marfim e de Abidjan que uma boa parte dos seus habitantes. Quais serão as consequências desta falta de âncora? Quais serão as consequências de se ser um instantâneo, quer se olhe para trás, quer se olhe para diante?
A tradição oral em África é muito forte, muito mais do que a escrita, e essa é com certeza uma causa para a falta de registos. Talvez por isso, muito mais que ter história, África tem espiritualidade. Ou não tivesse D. Sebastião vindo para ficar nos livros, e acabado lenda...

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Emissão online

Na internet, vou acompanhando a transmissão da RTP. Não tenho outra alternativa, porque o site da SIC informa-me que não funciona na zona em que me encontro e o da TVI, sem informar nada, simplesmente não funciona (e ainda bem, diria eu).
Assim, lá vou acompanhando alguns programas que vão sendo transmitidos, mas que não são os mesmos que os da emissão normal. O telejornal passa e em directo, o que é bom. Fora isso, passam alguns programas quase intragáveis, e que são interrompidos a meio sem qualquer aviso.
Não vou criar aqui nenhum movimento pró-emissão RTP Online, mas a verdade é que me irrita a falta de cuidado para com este meio de informação. O mesmo me acontecia, por motivos diferentes, com a RTP Internacional quando estava em Montpellier. Quer uma, quer outra, são restos da emissão que temos em Portugal. E são restos, não com alguns dias, em que bem aquecido decerto ainda passava, mas com anos.
Que não seja a emissão integral da RTP, mesmo que não saiba os motivos em concreto, vou aceitando. Mas não havia necessidade de ser tão mau...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Contra ciclo

No que ao trânsito diz respeito, normalmente ando em contra ciclo com a maior afluência das horas de ponta. Porque moro no "cartier des affaires" e trabalho numa zona mais habitacional, acabo por ver os engarrafamentos quase sempre do outro lado.
Claro que isto exclui acontecimentos extraordinários, que por mais pequenos que sejam (um toque entre dois carros, ou uma vendedora sentada em cima da linha da berma da via rápida, há de tudo) criam sempre uma considerável aglomeração de carros. A de hoje, pelo menos, tinha uma boa justificação: nada mais, nada menos que uma grua, com o respectivo camião de transporte por baixo, entalados entre a estrada e um viaduto.
O viaduto até tem indicação da altura máxima, que obviamente no caso era excedida, mas isso não travou o ímpeto do condutor. Nem o ímpeto, nem o próprio camião, já que a grua estava quase do outro lado.
Bastante tempo depois, e após alguns acidentes como danos colaterais, lá ficou resolvido o problema, e o camião com os pneus vazios como ditam os livros. Espero que no regresso se lembrem que o viaduto ainda existe...

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Necessidades

Uma necessidade fisiológica é, como o próprio nome indica, uma necessidade. E portanto, há que a satisfazer. Exceptuando honrosas excepções, nós procuramos locais adequados para o fazer; outra hipótese seria deixar a necessidade marcar o ritmo e simplesmente respeitá-lo, independentemente do local.
É o que acontece muito aqui, sobretudo com os homens (porque é que isto não é surpresa?). Nos passeios, nos postes, junto às bancas de vender jornais, em pleno centro da cidade, ou fora dele, qualquer lugar serve. Também é verdade que há locais privilegiados e que aparentam ser de acesso controlado: há uma valeta numa saída da via rápida que parece paragem obrigatória para os taxistas.
E assim, o equivalente ao sinal de "Afixação Proibida" que temos em Portugal, aqui tem um "Proibido Urinar", pelo menos numas paredes no centro da cidade, com direito a multa de quase 4€ para os prevaricadores. É pôr a Polícia Municipal a controlar os necessitados.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Ritmo

Qualquer dia atropelo alguém... a andar a pé! Por defeito, o ritmo de caminhada das pessoas aqui é como quem está em passeio à beira mar. De cada vez que tenho de acompanhar alguém, sinto-me na Av. Brasil num final de tarde dum domingo de verão. Sem o mar, sem a Av. Brasil e sem as esplanadas, mas ao mesmo ritmo.
O que é que nos faz andar depressa? O que justifica andarmos depressa mesmo dentro de casa? Seriamos mais felizes se andassemos mais devagar? São perguntas que me faço mas que não sei responder. O que sei é que esta lentidão (para os meus padrões) me stressa um bocado, e frequentemente tenho de controlar-me para não empurrar ninguém.
No entanto, e como os que andam devagar são mais do que os que andam depressa, vou ter de me disciplinar para esta marcha lenta. E sempre me vai lembrando o "calçadão".

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Falhar saídas

A maior parte das pessoas, quando seguem numa autoestrada ou via rápida e falham uma saída, praguejam um pouco (a quantidade varia de indivíduo para indivíduo) mas resignam-se a sair na próxima. E quando alguém se lembra de, sorrateiramente, encostar à berma e fazer marcha atrás é alvo dos mais variados adjectivos, ou pior se aparecer a polícia.
Pois aqui, falhar saídas é frequente, mas resignar-se com isso é que não. E como não existem propriamente bermas, os recuos são feitos em plena faixa de rodagem, umas vezes mais à direita, outras nem tanto.
Hoje, ao voltar para casa, já noite plenamente instalada e numa zona sem iluminação, lá estava um carro preto (mas de nenhum destes factos o senhor tem propriamente culpa) a recuar para a saída que pretendia. Não contente com isso, o senhor não deve ter feito aquele exercício de seguir uma linha de passeio pelo retrovisor, nas aulas de condução. E então atravessou-se em plena via rápida.
Felizmente, não aconteceu nada mas isso não significa que não aconteça da próxima. Mas aqui os condutores safam-se só com alguns impropérios que lhes são dirigidos, porque também já vi a polícia fazer igual.

domingo, 9 de novembro de 2008

Domingos

Começo esta mensagem com um lamento: lamento por quem a vai ler, porque a inspiração não é nenhuma...
A verdade é que os domingos são dias em que cada vez tenho mais dificuldade em escrever. Porque normalmente os passo em casa, que é um ambiente menos estimulante e com episódios mais limitados do que o quotidiano na cidade; e porque os meus pensamentos ficam, cada vez mais, aprisionados nesse sentimento de saudade. E isto limita-me os temas sobre os quais escrever.
Os domingos são, por isso, os dias mais longos da minha semana. E já sei que o de hoje foi mais longo que o passado e menos do que o próximo. Não interpretem isto como desespero. Não é, está longe de o ser, e nem posso permitir que o seja. Mas nem assim os domingos ficam mais curtos.

sábado, 8 de novembro de 2008

Pressa

Se tivermos um todo-o-terreno, completamente descaracterizado, sem a luz de veículo prioritário mas ainda assim estivermos com pressa, o que fazemos? Arranjamos alguém com uniforme militar que vai pendurado na janela a berrar para os carros e pessoas que se atravessam no caminho.
Pode parecer estranho, mas é possível e foi o que vi ontem. Parados num semáforo, de repente os carros começam a afastar-se e lá passa um todo-o-terreno com alguém de uniforme militar sentado à janela, a vociferar e a gesticular com os carros adiante, e com as pessoas que atravessavam a rua.
A verdade é que passaram, mas a pressa é inimiga da perfeição: talvez um quilómetro à frente, criou-se um pequeno congestionamento no trânsito. Porquê? Com o vento do movimento, a boina do "vociferador" foi voada... e tiveram de parar para a recuperar.

Capelinhas

Hoje fui sair com uns amigos, por isso escrevo mais tarde. Achei piada, porque foi um estilo de visitar capelinhas.
Primeiro, fomos ao "Pams", um bar com música ao vivo. Estava cheio, mas passamos lá um bom bocado. De seguida fomos a um bar de reggae ao vivo, que não consegui decorar o nome. Foi muito bom, aparte a cena de pancadaria que quase destruiu o teclado. E acabamos num espaço ao ar livre também com música ao vivo, desta vez zouglou.
Mas os hábitos parecem idênticos aos nossos: após tal peregrinação, e na ausência do Tropical, lá passamos no equivalente daqui para comprar umas sandwiches. Foi giro.
Agora vou dormir, que daqui a pouco vêm buscar-me para o futebol. Acho que vou estar um bocado cansado, mas valeu a pena.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Gravatas

Gravatas: existem de várias cores, feitios, padrões, larguras, tamanhos e tecidos. E existem também vários estilos de utilização.
Uma das gravatas do meu imaginário é a do Tó, da série "Duarte & Companhia". Sempre achei graça a um adulto com gravata de criança (pensava eu). E sempre permaneceu para mim um mistério onde ficava o resto do tecido. Pois bem, tantos anos depois deparo-me frequentemente com muitos Tós... e curiosamente as primeiras reacções continuam a ser idênticas.
É engraçado ver como estamos de tal maneira formatados para determinados padrões estéticos , que tudo o que é diferente nos parece menos evoluído, ou no mínimo antiquado. Como é que aquele senhor pode andar com a gravata a dar pelo meio da barriga? Ou aquele outro com ela pela altura do diafragma?
A diferença de culturas está presente em todo o lado, nas coisas maiores e nas mais pequenas. É também essa a riqueza duma experiência fora do nosso habitat natural.
Quanto às gravatas, continuarei a usá-las compridas e manter assim intacto um dos meus mistérios de infância.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Pós racial

A incontornável notícia do dia é a vitória do afro-americano Barack Obama nas eleições para a presidência dos Estados Unidos da América. Dele se diz ser "pós-racial": é a diferença entre o ser presidente dos EUA que por acaso é negro e o ser presidente dos EUA apesar de ser negro.
Eu simpatizo com a ideologia. Julgar as pessoas pelo mérito e não pela cor, pelo que fazem e não pelo que parecem. Não pensar sequer no assunto, estar para além dele.
Mas a verdade é que actualmente não estou tão para além do assunto como gostaria, porque isso me conduziria a um estado de relaxamento que acho exagerado para a situação em que me encontro. Por enquanto, nada de grave há a apontar, mas quando a tensão sobe por aqui, os brancos ainda são um alvo preferencial. Não sou eu que o digo: são as pessoas que conheço, com quem trabalho, com quem convivo, e que são costa marfinenses. São também os factos, tal como aconteceram durante a guerra civil ou noutras pequenas manifestações.
Por isso, e apesar de ser pós-racial por defeito, permitam-me que o seja num ambiente que não o é totalmente. E convém ter noção disso.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Dormir aos soluços

Hoje acordei desorientado, a pensar que era sábado. Não sei porquê, foi uma daquelas partidas que o cérebro nos vai pregando, mas que foi resolvida no momento.
A verdade é que há já algum tempo que não durmo uma noite completa. Acordo sempre à mesma hora, entre as 6:45h e as 7h da manhã, mas o que fica para trás são noites de sono à superfície, em que temos a sensação de nunca ter adormecido realmente.
Acho que o que está a causar isto é a medicação da profilaxia da malária. Este é um dos efeitos secundários. Outro que me tinham falado é que, devido aos efeitos a nível do fígado, uma cerveja (com álcool) bastava para se ficar embriagado. Esse não me saiu na sorte, mas a perturbação do sono parece-me que sim.
E por isso cá ando, às vezes mais cansado, outras menos. E agora boa noite, que vou até ali dormir aos soluços.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Torneio

Afinal, o grupo com quem jogo futebol ao sábado é mais organizado do que pensei. Além de se juntarem para dar umas corridas e conviver um bocado, também entram em torneios. Neste momento, estão a preparar a participação num torneio em Agboville, uma vila a cerca de 80 kms de Abidjan.
É um torneio onde, segundo me dizem, estarão presentes equipas de toda a Costa do Marfim, assim como alguns olheiros. O que me leva a pensar, sem conhecer, que é um torneio relativamente popular.
E provavelmente lá vou eu jogar também, que não me estão a dar escolha. Até acho piada à ideia. Há uns anos, achava-se no futebol em Portugal (pelo menos no distrital) que uma equipa só o era verdadeiramente se tivesse um atleta de cor. Nunca me tinha passado pela cabeça vir a representar o simétrico dessa ideia, mas é o que vai acontecer. Vai ser giro... sobretudo se ganharmos!

domingo, 2 de novembro de 2008

Agenda

À medida que se vai reduzindo a minha "Distância", vai aumentando a agenda com lugares para visitar, pessoas para encontrar, coisas para fazer. São as saudades de coisas, pequenas e grandes, que se vão manifestando e que tornam o regresso ainda mais apetecido.
É também nesta altura que reparo na carteira bem preenchida de amigos que tenho. Porque ainda falta mais de mês e meio para voltar, e já tenho vários jantares marcados, jogos de futebol, cafés, finos e mais uma série de coisas.
Terei de ter algum cuidado com as proporções das várias actividades, porque senão a forma sofrerá mais um sério ataque! Mas, e porque o assunto da forma física ainda não é assim tão sério, vou privilegiar a forma psíquica e procurar responder a todos os encontros. Vou tentar recuperar passado, construir presente e armazenar futuro.
É uma agenda ambiciosa e, de certa forma, exigente. Mas vai ser a agenda que vou seguir, porque afinal "o sofrimento é opcional".

Revista cor de rosa

Em Abidjan, há pelo menos dois casinos a funcionar (tenho dúvidas quanto a um terceiro). Recentemente, estive nas proximidades dum deles, e notei que das muitas pessoas que iam chegando, a maioria eram chineses, e o resto libaneses. Achei estranho não ver nenhum costa marfinense por lá, mas normalmente as coisas estranhas têm uma explicação.
E neste caso, ela é muito simples: os casinos são interditos aos nacionais! Para proteger a moral do vício? Para proteger a carteira do gasto? Simplifiquemos ainda mais: porque a mulher do primeiro presidente do país tinha um vício de jogo, e temos de concordar que problemas domésticos são demasiado pequenos para um presidente. Por isso, há que transformá-los em assuntos nacionais e, se possível, legislar sobre eles.
Se olharmos para algumas leis e decisões sob este prisma, algumas passam a fazer muito mais sentido. E é giro pensar nas leis como se de uma revista cor de rosa se tratasse.

sábado, 1 de novembro de 2008

Exercício

Comprei uma máquina para fazer exercício em casa. Ao sentir-me engordar e a ver que dificilmente iria arranjar fora um espaço para manter a forma, decidi fazer o insourcing da actividade. E agora tenho um aparelho de remo.
Os tapetes para correr irritam-me, não tenho paciência. Bicicleta estática também não é muito do meu agrado. A este exercício acho piada, e até acaba por ser mais completo. Pelo menos foi do que me convenceu o senhor que me aconselhou na loja, na autoridade que lhe era conferida pelos seus 110 kg.
Mas estou contente. Fazer exercício dá-me prazer, ainda que após uns tempos de inactividade a preguiça me tente desviar. Sem sucesso, diga-se, porque desde que comprei a máquina tenho praticado diariamente. É uma questão de disciplina e de imaginação: disciplina para nos obrigar a fazer, imaginação para pensar no resultado se não o fizermos.
Agora, sempre que vou ao maquis, já é com mais à vontade que me dedico à cozinha africana. Mas ainda não sei a quanto tempo de remo equivale uma dose de foufou.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Futebol africano

Do futebol africano, diz-se que tem alegria e irreverência. É uma forma simpática de dizer que muitos dos jogadores são individualistas. Hoje percebi porquê.
Ao passar na Pont De Gaulle, consegue ver-se um campo de futebol, onde havia actividade. Ora, num jogo de futebol há alguns elementos básicos que se esperam encontrar: as balizas estavam lá; a bola também; linhas não, mas isso não é fundamental. Árbitros acho que também não existiam, mas isso também não é fundamental. Agora, normalmente existem duas equipas, que se identificam minimamente... e isso não consegui ver!
Logo à partida, não consegui perceber se estavam 11 para cada lado. A fronteira entre os que jogavam e os tantos que viam, não era clara. E depois, cada um dos que por lá andava, tinha um equipamento diferente: ora verde, ora branco, ora amarelo, ora vermelho... Nestas condições, a quem passar a bola?
Afinal, a irreverência do futebol africano é capaz de ser uma condição do material, mais do que um estado psicológico.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Baratas

Quando se fala em baratas, a reacção normalmente não é muito positiva. De mim, não levam a maior das simpatias, mas também não lhes tenho uma desmesurada repugnância. O que é bom, na situação presente.
Apesar de viver num prédio decente e de não ter acumulações de lixo dentro de casa, a verdade é que regularmente me deparo com estas visitas. Maiores ou mais pequenas, elas andam por aí. Presumo que a tal conduta de lixo que trespassa todo o edifício na vertical contribua decisivamente para este fenómeno.
Por isso, já temos um acordo, apesar de unilateral: há zonas em que as persigo furiosa e impiedosamente. Há outras em que nem me dou ao trabalho de tentar, até porque normalmente elas são rápidas e se escondem em sítios onde não chego. Mas o que conta é a intenção, e há ali uma área nas redondezas da entrada para a tal conduta que considero de domínio estrangeiro.
Além de tudo isto, há duas coisas que me desencorajam: dizem que as baratas são capazes de resistir à radioactividade e que por cada uma que se extermine, existem outras mil. Com estes argumentos, acho sensato assinar um acordo de paz, não vá existir uma barata com Ahmadinejad como apelido. Mas estão avisadas, que não me apareçam no quarto!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Centenário

Ontem, este blog tornou-se centenário. Mais do que festejar o facto em si, que soa a cliché, proponho-me a fazer uma pequena retrospectiva do que tem sido esta aventura online.
As 100 mensagens correspondem a 100 dias, o que representa uma regularidade que não imaginei possível. No entanto, esta partilha acabou por se tornar uma companhia, ao funcionar realmente como uma ligação directa a casa. É certo que há dias de maior inspiração, vontade ou tempo para escrever, e espero que isso se note: porque é a parte orgânica, é a vida, é a alma deste espaço.
Ao longo destas mensagens, fui escrevendo sobre factos e emoções, sobre o que vejo e o que sinto. À força de querer respeitar este "compromisso" de escrever diariamente (acabou por se transformar em tal), dou comigo a revisitar momentos, lugares, cheiros ou cores do quotidiano. Acaba por ser uma forma de viver a dobrar, de gravar memórias, de superar os 100%, e isso tem-me dado muito prazer.
Mas apesar desta mensagem disfarçada de pequena comemoração, o 100 não é mais um número inteiro precedido pelo 99 e sucedido pelo 101, pelo que a contagem continua.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Chico-espertice

Praticamente todos os que conduzem já soltaram, uma vez ou outra, um "tem a mania que é chico-esperto!" enquanto ao volante. Uma das situações em que tal pode acontecer, é quando estamos num engarrafamento numa via rápida e alguns automobilistas decidem fazer da estação de serviço um meio para ganhar 100 metros.
Este tipo de situações aumentam a tensão de quem está no trânsito, mas há uma forma de diminuir esse stress: se todos usarem, descarada e despudoradamente, a mesma estratégia e fizerem da estação de serviço mais uma via.
É o que acontece por aqui e que presenciei hoje mais uma vez. A regra é simples: chegar o mais depressa possível. Os meios são os necessários: usar todo o espaço disponível. E por isso, há que passar pela bomba de gasolina, de preferência sem atropelar o empregado e sem bater naqueles que abrandam porque realmente vão usufruir do serviço.
Ninguém se incomoda porque tantos o fazem, se tiverem oportunidade. E afinal, é para o bem de todos, porque ajuda a escoar o trânsito... pelo menos durante uns segundos.

domingo, 26 de outubro de 2008

Payé

Ontem fui jantar a um restaurante na Zone 4, cujo nome "CFC" deve ter sido escolhido pela mesma equipa que deu o nome a um dos recentes filmes de Bollywood.
Eu estava acompanhado de duas pessoas, e o empregado entregou 3 listas para que pudessemos escolher. Qual jantar académico, começamos pelo gelado, uma vez que era cedo e decidimos assim confraternizar um pouco antes de jantar qualquer coisa.
Quando finalmente nos pareceu ser hora da refeição, chamei o empregado e pedi a ementa. Zeloso e seguindo a máxima que o cliente tem sempre razão, ele entregou-me UMA ementa! De notar que continuavam as mesmas pessoas na mesa, pelo que se exigiam pelo menos 3. Foi uma questão de número, porque é verdade que eu fiz o meu pedido no singular...
Finalmente, e quando pedi uma factura no final, o empregado fez uma cara de quem estava a pensar "Mas que cliente tão bizarro!" e disse-me que não era possível, só na segunda-feira. E lá vim embora com o talão da caixa a dizer "Payé".

sábado, 25 de outubro de 2008

Ecrã de aeroporto

Um dos elementos fundamentais nos aeroportos é o ecrã com as informações dos vôos: horas, números, companhias, atrasos, são dados em torno dos quais se regulam os movimentos nestes espaços. Mas não em todos.
No aeroporto internacional Houphouet Boigny, em Abidjan, o papel desses ecrãs não parece muito valorizado. Eles estão lá, realmente, mas é preciso que a informação contida também seja válida. Ora, hoje ao levar ao aeroporto uma pessoa que partia para Dakar, ficamos um bocado confundidos: nenhuma das informações correspondia ao bilhete. E mais ansiosos ficamos porque estas alterações sem aviso são frequentes, afectando claramente a vida das pessoas.
Dirigimo-nos então ao balcão de informações, para esclarecer o que se passava, e foi o bastante para ficarmos descansados. O desencontro de informação era, afinal, um desencontro temporal: o que passava nos ecrãs era de ontem. Na realidade, tudo estava a funcionar tão bem que nem o vôo estava atrasado!

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Universos paralelos

O tabaski (nomenclatura da África de Oeste) é uma festa muçulmana, celebrada 70 dias após o final do Ramadão. É também chamada a Festa do Sacrifício, como desafortunadamente podem atestar os carneiros (ou então bodes, bois ou camelos) cujos proprietários tenham algumas posses. Não é uma prática que me agrade, mas a partir de hoje terei de a relativizar.
Aproximam-se as eleições na Costa do Marfim. E, por mais turbulência que possa existir - tornando-as um problema - não deixam de ser uma oportunidade. Para subir ao poder, para aceder ao estatuto, para alcançar a riqueza. São por isso momentos em que muitos usam todos os meios possíveis para lá chegar. E alguns que parecem impossíveis. Parecem...
Interligando os dois anteriores parágrafos, facilmente se conclui que há quem recorra a sacrifícios, procurando a ajuda divina, para abrir as portas do poder. Pode parecer bizarro, mas é quando se sabe que são sacrifícios humanos que se torna intolerável. E não, não estou a brincar.
Ontem desapareceram duma só vez 7 crianças da zona de Abobo, um bairro periférico de Abidjan. Hoje as escolas privadas acharam por bem manter as crianças em casa, junto da família, para tentar parar ou mitigar este tipo de acontecimentos. Vim a saber que sempre que existem eleições, aparecem corpos de pessoas estropiadas, degoladas, decapitadas, sem genitais ou sem o coração. Circulam emails a avisar, mas julgo que neste caso não têm como objectivo criar gigantescas bases de dados. Neste caso, alertam para uma realidade, ainda que difícil de crer.
Para mim, este tipo de rituais faziam parte dum imaginário, com ligação directa ao Indiana Jones ou, mais recentemente, ao Apocalypto. Tudo isso mudou hoje, para pior.
Esta é uma evidência muito forte da existência de universos paralelos. Simplesmente porque no mesmo não podem conviver internet, adesivo mais forte que as patas das osgas e sacrifícios humanos. É uma impossibilidade.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Guerra de secreções

O acto de cuspir para o chão é, há já bastante tempo, considerado rude e pouco educado na nossa sociedade. Assim, e exceptuando alguns grupos bem identificados, vai rareando nas cidades portuguesas.
Mas aqui não acontece o mesmo. Cuspir para o chão é libertar algo que não queremos, seja qual for a razão. E como essa vontade não escolhe género, tanto vemos homens como mulheres a praticar tal acto. Das janelas dos carros ou da pessoa que caminha ao nosso lado no passeio, é bem possível que haja um disparo a qualquer momento.
Não consta, no entanto, que alguém tenha ficado ferido nesta guerra de secreções, que até já foi tema de programa de rádio. Para já, cuspir para o chão parece ser bem tolerado por todos, e praticado por uma boa quantidade. E enquanto assim for, é melhor manter a janela do carro fechada.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Sr. Jacques

Hoje fui jantar a casa do meu vizinho, o Sr. Jacques. Sendo certo que mal o conheço, acho que posso dizer que tive muita sorte por, numa cidade com 4 milhões de habitantes, ter vindo morar para o mesmo prédio (e mesmo andar) deste senhor.
Pela sua postura e pelas conversas de elevador que já tiveramos, eu já suspeitava; mas foi quando vi a sua biblioteca que fiquei com a certeza. O Sr. Jacques é uma daquelas pessoas com quem temos vontade de ficar a falar eternidades. Porque conhece, porque sabe, porque entusiasma.
Ainda para mais, no jantar estava também uma amiga do Sr. Jacques que não lhe fica atrás. Como é possível aprender tanto numa noite!
E foi apenas o início, mas já me emprestou um livro sobre as origens da Costa do Marfim. Quando acabar, tenho porta aberta para voltar e trazer outro. Acho que terminaram os meus problemas com a falta de livros!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Mercados

Quando queremos comprar alguma coisa, temos uma ideia de onde a podemos encontrar. Esse local, para ser mais ou menos fixo, costuma ser uma loja. Mas aqui também podemos ir aos semáforos.
Muitas coisas se vendem nas ruas. Aliás, quase tudo pode ser encontrado nas ruas, em vendedores que pululam pelo meio dos carros nas horas de ponta. O engraçado é pensar de onde vem todo aquele material, qual é o seu canal de distribuição, mas sobretudo ver como ele se agrupa em variadas classes.
Assim, no cruzamento a caminho de Bingerville temos o material de cozinha e escritório; na rotunda de Macory, temos o material de bricolage e para automóveis; na rotunda de Treicheville, temos as máquinas calculadoras; no Plateau, temos as carteiras e cintos; e na rua de 2 Plateaux, temos os panos e os jogos.
Com algumas variações, é esta a distribuição da mercadoria vendida nas ruas. Eu ainda não conheço as razões, mas presumo que a oferta esteja adequada à procura e que a localização dos variados bens seja justificada.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Reféns

Instabilidade política, desequilíbrios sociais e assimetrias várias são condições que parecem favorecer uma minoria, em detrimento dum bem-estar mais generalizado. Como é evidente, o egoísmo, a ganância e a ambição desmesurada dessa minoria impedem ou atrasam o caminho da maioria em direcção a uma vida melhor.
As eleições que se aproximam na Costa do Marfim prometem ser, em caso de sucesso, a luz ao fundo do túnel para a saída da crise profunda em que o país mergulhou. No entanto, a tal minoria não está muito interessada, e por isso vão existindo problemas, maiores ou menores, que vão atrasar o sufrágio eleitoral.
Como condição para as eleições, é preciso saber quem existe e quem vai votar. No pós-guerra civil, muitas pessoas não estão identificadas, não existem perante o sistema. Por isso foi lançada uma mega-operação de identificação, com recurso a uma entidade estrangeira para a regulação do processo. Eis um bom alvo para a "tal minoria" atacar.
Já tem acontecido noutros locais, mas hoje foi à minha porta. Num gabinete de recenseamento, entrou um grupo de jovens e destruiu as instalações, espalhando os documentos pela rua, com algumas agressões pelo meio. O que é mais assustador, é a leviandade e a facilidade com que se instiga uma tal acção. Num país com 50% de desemprego e taxas de analfabetismo muito elevadas, existem muitas pessoas dispostas a fazer estas coisas por muito pouco. Às vezes, uma cerveja basta, o que é um custo muito baixo para um retorno muito elevado (para a "tal minoria").
Ideais políticos? Protesto social? Não. Este é o resultado da miséria dos que fazem e da falta de escrúpulos dos que mandam fazer. E assim a "tal minoria" vai mantendo a maioria refém...

domingo, 19 de outubro de 2008

Táxis

A quantidade de táxis que existe em Abidjan é impressionante. O que torna uma simples caminhada pelas ruas da cidade numa sinfonia de buzinas.
Claro que isto só pode ser apreciado numa caminhada de domingo. Nos outros dias, as buzinas são tantas e com agendas tão próprias, que não é possível distinguir aquelas que nos são dirigidas.
Mas num domingo, um branco a pé, sozinho, pelas ruas do centro de Abidjan não é muito normal. A conclusão lógica é que anda perdido e precisa dum táxi, e por isso a todo o momento tenho carros a travar ao meu lado, a buzinar, à espera que realmente sejam necessários. Hoje, dois quase batiam por quererem conviver no mesmo espaço duma rua vazia.
A vantagem é que, sendo preciso um táxi, basta levantar um braço, e nunca se espera muito. Com isto quero dizer que nunca se espera mais do que 1 ou 2 minutos, literalmente. É certo que esse tempo pode aumentar, dependendo do quão exigentes somos com a qualidade da viatura. Mas se não gostarmos, há-de estar um outro muito próximo.

sábado, 18 de outubro de 2008

Choque térmico

Quando voltar a Portugal, estaremos em plena época natalícia e em pleno inverno. Vai-me saber bem.
Eu tenho pouca paciência para compras, e ainda menos em épocas de grande afluência. Portanto, normalmente estou longe de locais onde essas duas condições se reúnem. Mas, na altura do Natal, gosto de passear a pé na Baixa do Porto, normalmente envergando um casaco grosso, e observar o rebuliço de todas aquelas pessoas carregadas de sacos (ou serão montes de sacos com uma pessoa no meio?). Gosto de ver as luzes, gosto do cheiro a pão-de-ló, bolo-rei e rabanadas, até acho piada ao ambiente criado por aquelas músicas natalícias.
Mesmo na própria véspera de Natal, entre postas de bacalhau, lenha para a lareira e visitas a (e de) familiares, gosto de sair para uma caminhada. E ver as pessoas a chegar às casas da família, sentir o odor a lenha queimada, ver as ruas quase sem movimento.
Este ano espero poder seguir este programa, se o choque térmico não me pregar uma partida.

Ça va aller

Frequentemente, por aqui, se ouve dizer "ça va aller". Aliás, é um dos escritos que se vêem regularmente nos táxis e camiões. Mas é também uma forma de estar.
"Ça va aller" é uma expressão de optimismo, é uma expressão de fé. Fé que melhores dias chegarão, esperança de que melhor está para vir. No fundo, é a ergodicidade aplicada ao quotidiano.
O problema é que passar uma teoria como esta para a prática, sem atender a outras variáveis, tem custos. Normalmente, o tempo é mais impiedoso com as pessoas do que com uma mole de partículas de gás, e basear uma vida no "ça va aller" pode ter consequências muito danosas.
O que me preocupa nestes assuntos relacionados com fé, é que se alguém acredita verdadeiramente, não há argumento válido para contrariar. E aí é preciso sintonizar outra frequência, pôr outros óculos, conduzir pelo sentimento.
Eu acho piada à expressão; até a uso de quando em vez. Mas utilizo em formato de injecção de ânimo, não como fundamento para o que vou fazer a seguir. Ou por outro, o que não vou fazer, porque afinal, "ça va aller".

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Conduta de lixo

Este prédio tem aqueles sistemas de deitar o lixo por um buraco na cozinha, em que vai tudo parar lá abaixo, cortesia da gravidade.
Mas eu não o uso nem acho piada nenhuma: acho que não é higiénico, porque por ali vai tudo e mais alguma coisa e, como é evidente, não é possível limpar.
Além disso, faz barulho. Frequentemente, lá vão garrafas de vidro ou latas, a bater em todo o lado pelo caminho, e a fazer assim imenso barulho. E o meu vizinho de cima parece fã do sistema...

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Valorização

Uma experiência no estrangeiro é, normalmente, um elemento de diferenciação e valorização. Porque se aprende uma forma diferente de trabalhar, de pensar e de se posicionar.
Hoje ouvi o relato do jogo da selecção com a Albânia. Após um péssimo resultado, as justificações de alguns dos melhores jogadores do mundo e dum treinador que passou os últimos anos num dos melhores clubes do mundo, soam à mesma conversa oca e miserabilista que se ouvia há alguns anos, quando havia uma geração de ouro que nada ganhava. Falta de sorte, a bola que não queria entrar, o guarda-redes que fez a exibição da vida dele.
Eu também joguei futebol (embora a um nível baixinho) e sei que há jogos em que se sente isso. Mas nunca fui profissional, nem nunca estive no topo do mundo do futebol, nem nunca tive acesso às técnicas de treino mais avançadas. Gostava de ver em quem o tem, alguma diferença, alguns assomos da valorização esperada. Mas afinal não.
Isto faz-me pensar naquilo que espero desta minha aventura no estrangeiro: espero que seja uma aprendizagem constante, num caminho que me conduza a um ponto diferente daquele em que aqui cheguei.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Andar de lado

Circular exactamente atrás de um carro e ver-lhe a porta lateral não é propriamente normal. Mas é possível.
Entre os mais variados defeitos, que com o tempo se foram tornando feitio, esses são dos meus favoritos. Carros que à força do uso e abuso ficaram com a direcção, eixos e tudo o mais desalinhado, e agora circulam numa aparente derrapagem permanente.
O que é curioso é que todos os que vi nessas condições (e já foram alguns), estavam virados para o mesmo lado: a ver-se a porta lateral direita. O que me leva a imaginar o dia em que os motoristas vão conduzir a olhar pela janela do condutor.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Dobragem

Impossível. Não consigo. Ver filmes dobrados está para além das minhas possibilidades. Seja em francês ou noutra língua qualquer: o problema é que são uma desconstrução da familiaridade a que estamos habituados, da voz original dos actores, dos sons que cabem nos movimentos dos lábios. Parecem telenovelas mexicanas dobradas em brasileiro.
Mas é engraçado ver a reacção de quem está habituado ao saber da modalidade das legendas. Acham muito estranho, possivelmente tanto como eu acho estranho as dobragens.
É certo que as dobragens criam emprego: para cada actor, uma voz. Não sei se terá sido pela inexistência duma indústria cinematográfica que os filmes em Portugal se mantiveram nas versões originais. A verdade é que espero que não mudem. E assim sempre vamos habituando o ouvido a línguas estrangeiras, nomeadamente o inglês. Talvez isso contribua para o potencial poliglota que há em muitos portugueses.

domingo, 12 de outubro de 2008

Animais de estimação

Os animais de estimação, como o próprio nome indica, são para estimar. Estimar a saúde, estimar a companhia, estimar a presença. Em muitos casos, acabam por se tornar mais um membro da família, em que se tem de pensar quando se quer ir de férias, e que frequentam esteticistas e hotéis.
Aqui em Abidjan, e pensando especificamente em cães e gatos, é raro vê-los e quando isso acontece, normalmente são animais vadios. Nunca vi ninguém a passear um cão. E o único veterinário que conheço parece-me mais dedicado a animais maiores, como vacas.
Ter um animal de estimação é uma opção que exige alguma disponibilidade, seja ela de tempo ou de dinheiro. Além de uma opção, é também uma medida das possibilidades. Provavelmente isso explica o nunca ter visto uma pessoa com um cão na rua. Vi uma com um macaco, mas que não parecia em grande forma. E para isso, realmente mais vale não ter nada.

sábado, 11 de outubro de 2008

Universos

Recentemente conheci uma senhora que, se as informações que tenho forem correctas, foi casada com um ministro do Houphouët Boigny, primeiro presidente da Costa do Marfim.
Como todas as pessoas que tiveram alguma ligação ao poder dessa época (pelo menos as que conheci), tem uma casa sumptuosa, ao bom estilo africano. Muito espaço, divisões amplas e luminosas, piscina e um grande jardim. E já agora, muitos empregados.
A contrastar com o exterior, que em alguns pontos tem um aspecto um pouco desmazelado, o enorme salão interior é fabuloso. Não ao meu gosto (e um atentado aos elefantes) mas fabuloso de qualquer forma. Grandes esculturas em marfim, que imagino valiosíssimas. Peças em metal e outras em madeira que devem ser únicas. Reposteiros, sofás, cadeirões, tapetes, num conjunto que se torna imponente. E, para completar (ainda que não seja uma peça de decoração), a senhora duma classe e duma postura de quem está habituado ao luxo, ao protocolo, à etiqueta.
Estamos sempre a aprender, e estes contactos também servem para isso. São uma forma de lidarmos com mundos diferentes, desde o universo dos que não sabem ler nem escrever, ao dos que têm tudo. E ainda por cima são universos vizinhos.

Guerra e retoma

A guerra civil que assolou a Costa do Marfim foi extremamente penalizante para o país. Apesar do potencial que lhe é reconhecido, o investimento estrangeiro era muito importante para o seu bom funcionamento e crescimento, mas a maioria afastou-se com a guerra.
Contudo, agora está a retomar. Nota-se na quantidade de estrangeiros (europeus, americanos, asiáticos,...) que se encontram nos hotéis; nota-se no preço das viagens e nos aviões completamente cheios, seja económica ou executiva; nota-se nas ruas, onde é possível encontrar brancos sozinhos. Enfim, respira-se um clima que é positivo para a Costa do Marfim.
Agora aproxima-se um momento muito importante para esta revitalização: as eleições. Marcadas para 30 de Novembro, data em que ninguém acredita, serão um marco fundamental. O seu sucesso será um sinal muito forte e, quase de certeza, soará como um tiro de partida para a chegada de pessoas e investimento estrangeiro. O seu insucesso será um tiro no pé, representará um regresso à estaca zero e mais alguns anos de problemas sérios.
A sensação que tenho é que as forças se conjugam para que tudo se passe bem, mas há sempre alguma instabilidade, algumas declarações em tom de ameaça e, por vezes, alguns pequenos motins. Mas no geral, dá ideia que as pessoas perceberam que a paz lhes serve melhor os interesses. Espero que não se esqueçam disso nunca!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Humildade e gratidão

A humildade é algo que me comove. E quando a esta se junta uma gratidão incondicional, ainda mais.
É o que sinto com uma das pessoas que me chama, carinhosamente, "patron". É um senhor que, segundo o próprio, tem à volta de 60 anos. Natural do Burkina Faso, tem uma educação e uma postura impressionantes, buriladas por muitos anos a servir as mais variadas pessoas.
Hoje fui com ele procurar um uniforme e umas sandálias, mas não encontramos o que pretendia. E digo "pretendia" porque ele se recusou a escolher o que quer que fosse, dizendo que usaria de bom grado qualquer coisa que eu quisesse. E não adianta insistir, porque este modo de funcionamento é a sua zona de conforto.
Amanhã, lá estará com o seu velho uniforme, mas com a mesma vontade, a mesma simpatia, a mesma disponibilidade. Sem nada pedir em troca. E paradoxalmente, é a estas pessoas que mais apetece dar boas condições, dar conforto, oferecer amizade. E já agora, um par de sandálias.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Riscos

Cocos é coisa que não falta por aqui. Que são óptimos para beber a água e comer a polpa, mas também são uma ameaça para pessoas e viaturas. Por isso há que cortar os que já estão mais maduros e capazes de cair à boleia da próxima rajada de vento.
Assim, hoje vi um jovem a subir a um coqueiro com uns bons 10 metros de altura, cujo cinto de segurança era composto por uma folha de uma planta (a que eu daria o nome geral de "fiteira") e um nó que parecia um bocado lasso.
Mas a verdade é que ele subiu e desceu a 4 coqueiros, fez o trabalho e ficou de boa saúde. O que foi um alívio, sinceramente, que só durou até pedir que me preparassem um coco para consumo imediato: eu sei que a prática é muita, mas nada impede que o próximo golpe da catana não corte mais que a casca do coco.

Engano

Mais uma vez, o tempo hoje enganou-me, o que acontece frequentemente. Já não é a primeira vez que, parecendo que se aproxima uma grande tempestade, nada de relevo acontece. Não que seja essa a minha vontade, prefiro assim. Mas a verdade é que já por várias vezes eu me convenci que iria chover torrencialmente, mas afinal fica só pela ameaça.
Qualquer dia acontece ao tempo o que aconteceu ao Pedro: deixo de acreditar nele e vai ser nesse dia que vou assistir a uma verdadeira tempestade tropical.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Segurança alimentar

Um destes dias, no seguimento do Telejornal, a RTP Mobile transmitiu um programa sobre segurança alimentar. Como resultado de ter visto um pouco dessa transmissão, só havia uma de duas hipóteses: ou ia embora daqui imediatamente, ou me ria. Deu-me para a segunda opção.
Primeiro, o programa deve ter sido fortemente editado, porque ninguém pode saber tantas regras de cor e colocá-las em prática diariamente sem ter uma cábula no bolso. Segundo, como é que as pessoas antes daquela senhora sobreviveram. Terceiro, e mais importante neste momento, perdoem-me o egoísmo, como é que as pessoas aqui (incluindo eu) conseguem sobreviver!
As regras eram de perder a conta e, na minha opinião, o juízo também. Havia uma ordem muito concreta para guardar os alimentos no frigorífico, mediante o seu estado de cozedura. Isto porque podiam pingar contaminações duns para os outros. E a lavagem dos alimentos era digna de uma entrada para a primeira fila dum bloco operatório!
É um programa que aconselho vivamente a quem critica a ASAE e que pode dar um novo significado à expressão "no tempo da outra senhora".

domingo, 5 de outubro de 2008

Reforma

Estava a ler o jornal local diário de maior tiragem, o "Fraternite Matin", quando li uma declaração do Ministro da Função Pública e do Emprego a dizer que pretende estabelecer o limite da idade para a reforma nos 57 anos até ao fim de 2008 e até aos 60 no final de 2011.
Evidentemente, esta notícia intrigou-me. No mesmo jornal, duas páginas adiante, fala duma associação que, pela formação em artes e música, recuperou um grupo de 10 jovens, entre os 13 e os 20 anos, que eram combatentes nas forças rebeldes. Quando foram recrutados, o mais novo tinha 8 anos...
Estamos a falar dum país em que a esperança média de vida à nascença se encontra abaixo dos 40 anos, em que as mulheres têm em média cerca de 4,5 filhos, em que a mortalidade infantil é de 7% e em que 41% da população tem menos de 14 anos de idade. Um país cujas guerras, à semelhança de tantos outros países africanos, são em grande parte travadas por crianças, e em que doenças degenerativas não têm muita expressão porque uma parte considerável das pessoas não vive o suficiente para as sofrer.
Assim, a extensão da idade da reforma para os 60 anos parece fazer parte duma outra realidade. Ou então talvez seja uma forma de evitar a falência desse sistema de apoio... Imaginem que Portugal estendia a idade da reforma para os 100 anos e digam-me se não era um problema que se resolvia.

Discoteca

Pela primeira vez desde que estou em Abidjan, hoje fui a uma discoteca. E não foi uma discoteca qualquer, mas antes uma das maiores da cidade e propriedade do Didier Drogba, jogador de futebol. Chama-se "Queens" e é do tamanho do "Piolho".
O espaço é agradável. A música que passa é essencialmente africana, com pequenas visitas a alguns êxitos de rock ou house music com que estamos familiarizados. Quanto ao volume, é imenso para o pequeno espaço: para terem noção, neste momento praticamente não consigo ouvir o som das teclas do computador...
Por isso, após um dia em que fui jogar futebol de manhã e fui a uma discoteca à noite, preciso de descansar o corpo, mas acima de tudo os tímpanos.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Evolução

Hoje vou escrever uma mensagem à pressa. Isto porque a minha ligação de internet não está a funcionar, e por isso estou ligado a uma rede sem fios (e sem segurança) que apanho por aqui. Quem diria que a primeira vez que uso uma rede clandestinamente havia de ser em Abidjan...
Na realidade, hoje a tecnologia está contra mim. Quando cheguei a casa, e como faço habitualmente, liguei o iPod. Mas passado um bocado, bloqueou e agora está ali à espera que a bateria se esgote. E a verdade é que, sem ser uma questão vital, esta quebra nas rotinas deixa uma sensação de vazio.
Após os problemas com móveis e água, será que agora vão começar a aparecer os problemas com a tecnologia? Não deixava de ser uma evolução curiosa. Afinal, esta gradual substituição de carpinteiros e picheleiros por técnicos parece acontecer em todo o lado.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Cor de África

Frequentemente ouvimos falar da cor de África. O vestuário, que tantas vezes se compõe por panos baoulés, contribui decisivamente para essa ideia, mas a cor também se revela em domínios não visuais.
Hoje recebi uma factura do jardineiro e a descrição chamou-me a atenção. Em vez de me cobrar pela área tratada, ou pelo tempo dispendido no trabalho, cobrou por arranjar o jardim muito bem. A expressão original foi que deixou o jardim "bien propre". Podemos aqui entrar em discussão sobre a noção de bom tratamento. E será que algum dia terei direito a um "excelente tratamento" ou já estou no nível máximo? Será que o "bien propre" deste mês é melhor ou pior que o do próximo?
Contrariamente a uma perspectiva quantitativa, em que a hora ou o metro quadrado têm um preço bem definido, aqui estou num campo mais qualitativo: fica feito ou não? Funciona ou não funciona? E dentro destas dicotomias, aparentemente, existem as matizes, patamares de qualidade.
Tudo isto é parte integrante duma cultura em que o tempo não respeita a mesma escala de valores que a nossa e em que a tradição oral é muito forte. Digam lá se, em torno duma fogueira, numa qualquer aldeia africana, não tem mais piada contar que se deixou um jardim bem arranjado do que dizer que se gastaram 3 horas para tratar 120 metros quadrados de relva?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Barreiras psicológicas

É engraçado o poder das barreiras psicológicas. Uma muito conhecida é a que dá origem aos preços ".99". Mas há outras. A minha, neste momento, é a contagem decrescente que aqui tenho no blog.
Já estou em Abidjan há mais de 3 meses. O tempo tem passado rápido e até acho que me tenho adaptado bem. Mas é certo que sinto algumas saudades, apesar de controladas. É claro que pode ser um controlo aparente, mas sempre que estive fora me aconteceu o mesmo: se o tempo previsto para estar no estrangeiro for 2 meses, o pior é a última semana. Se for mais tempo, o maior problema é também a última semana. Acho que nessa altura baixo a guarda, relaxo o tal "controlo de saudades" e então fico mais ansioso.
Para contribuir para este sentimento, e voltando à contagem decrescente, vejo que entrei nos "70". Não que o tempo passe mais depressa, mas o salto entre dezenas parece dar mais alento, são momentos que se acompanham de um sentimento especial. É um pouco como passar o ano: é uma formalidade, mas festeja-se.
Assim, se ontem ainda estava a cerca de "3 meses" de ir a Portugal, hoje já estou a cerca de "2 meses e meio". É portanto esse o valor duma passagem na casa das dezenas: 15 dias. O tempo é mesmo relativo.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Bolores

Fazendo jus à influência francesa na Costa do Marfim, o pão aqui apresenta-se maioritariamente em forma de baguete. Mas o que eu quero mesmo notar é o tempo que dura.
Normalmente, o pão a que estamos habituados passa de fresco a velho em pouco tempo. Fica duro, depois ainda mais e há quem o dê às galinhas. Mas para ganhar bolor ainda demora um bocado, pelo menos estando dentro de casa.
Pois aqui não demora assim tanto. Antes de ficar muito duro, já se notam colónias a surgir. Não sei qual é a espécie de fungo, não faço ideia se será a mesma ou família das que se desenvolvem em Portugal. A humidade e a temperatura ambiente que aqui se fazem sentir são, com certeza, muito mais propícias ao seu aparecimento. No entanto, também me questiono se os ingredientes terão algum tratamento diferente e que justifique as diferentes velocidades no aparecimento de bolores. Mais um tema sobre o qual tenho muito a aprender.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Preço da cultura

Eu gosto muito de ler. Sempre gostei e viver sozinho e fora do meu ambiente social (e sem televisão) agudiza esta paixão. Assim, vejo-me agora numa situação de ruptura de livros: os que trouxe já os li.
É verdade que na hora de fazer as malas, por uma questão de peso e espaço, não trouxe todos os livros que gostaria. Mas pensei que haviam de resistir mais algum tempo, e não que me acabassem a 3 meses de regressar a Portugal. É evidente agora que fiz mal os cálculos...
Já passei por fases de ler muito, outras de ler muito pouco. Passei também por uma, bem grande, em que me limitei à literatura técnica. Aqui está a acontecer-me o mesmo que em Montpellier, quando também lá estive sozinho: passo grande parte dos momentos de lazer a ler, sempre com a música ligada. E gosto. A diferença é que em Montpellier eu estava numa casa que já vinha com biblioteca (e que biblioteca!) incluída. Aqui, nesse aspecto, estou mais limitado.
Por isso, acho que vou ter de comprar uns quantos livros. Talvez seja desta que vou achar os livros em Portugal baratos, se a proporção dos DVDs se mantiver: um DVD dum filme com alguns meses custa 45€! É que a cultura também tem um preço de mercado.

domingo, 28 de setembro de 2008

Aproximação

As crónicas do passado fim de semana foram sobre desporto. Adoptando um estilo de "crónicas de fim de semana temáticas", hoje será novamente sobre religião.
Esta manhã fui a uma missa católica, na Cathédrale Saint-Paul. Não fui por convicção religiosa, que não tenho, mas para ver, aprender e compreender esta realidade. Afinal, a religião aqui (ainda) está muito enraizada, o que tem impacto na vida quotidiana das pessoas.
A missa foi, evidentemente, em francês, mas a estrutura é em tudo idêntica às missas que assistimos em Portugal. O que não é de estranhar, tratando-se da mesma religião. A diferença mais marcada estará, porventura, no maior sentimento de alegria, que permite palmas na música do coro e que algumas pessoas dancem enquanto a escutam. E ainda se nota que muitas das pessoas se vestem para ir à missa.
Quanto a mim, sentei-me nos bancos mais recuados e, por uma questão de respeito, fui acompanhando o levantar e sentar da hora e meia de cerimónia. No final, a minha posição em relação à religião mantém-se, mas espero estar mais próximo deste povo.

sábado, 27 de setembro de 2008

Muçulmanos

Durante a próxima semana haverá um feriado, mas ainda não se sabe se é terça ou quarta. Isto porque é um feriado que diz respeito à religião muçulmana, que segue um calendário lunar. Assim, ser num ou no outro dia está dependente de se observar ou não a lua na noite anterior.
Confesso que não conhecia esta particularidade da religião muçulmana, como não conheço a maior parte dos seus costumes. Tenho de acrescentar à minha lista de "A Fazer" aprender um pouco mais sobre ela. Mas não deixa de me fascinar, a forma como vejo as pessoas a entregar-se às orações onde quer que estejam, imunes a tudo o que se passa à volta, parecendo estar num outro mundo, sem barulho, sem nada que os distraia.
Eu não sou crente, mas as religiões fascinam-me, são um fenómeno que me interessa. Gosto de perceber os impactos que têm na vida das pessoas e gosto, sobretudo, de tentar perceber a sua evolução. A muçulmana obriga a 5 orações diárias, com horários estabelecidos mas que são flexíveis (imagino que para permitirem as actividades diárias dos fiéis). Assim, podem mesmo ser feitas todas duma vez. E as orações são feitas em árabe, mesmo que não se perceba o que se diz. Isto confesso que me faz alguma confusão: a linguagem é uma forma de expressão mas também de compreensão, e rezar sem se perceber o que se diz parece-me estranho. Mas os fiéis muçulmanos são muitos, por isso presumo que tenha alguma lógica, ou pelo menos um sentimento suficientemente forte para saltar a barreira da língua. Tenho mesmo de me informar.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Indiferenciados

Hoje passei numa loja para comprar uns calções para jogar futebol. Foi coisa rápida, mas chegou para me pedirem dois empregos...
Na loja onde fui, estavam dois jovens a trabalhar, um rapaz e uma rapariga. Foram muito simpáticos e prestáveis e, já na caixa, diz-me ele "quero trabalhar para si", corrigindo logo a seguir "queremos os dois!". Eu ri-me, e perguntei-lhes se faziam alguma ideia de qual era o meu trabalho. "Não importa, queremos trabalhar para si." E deixariam o vosso trabalho aqui nesta loja assim? "Sim, neste momento!".
Este será um episódio pequeno mas significativo! É a procura de algo melhor pelo método de tentativa e erro, sem verdadeiros planos, sem objectivos pré-estabelecidos. Não há especialização porque nunca se sabe onde se vai estar amanhã, nem a fazer o quê. Se se desenvolver alguma capacidade, aumentam os custos de trocar, limitam-se as possibilidades.
Desta forma, qualquer pessoa é pau para toda a obra. Tem o valor intrínseco dos serviços que pode prestar, mas sempre no reino dos indiferenciados. E assim, melhorar verdadeiramente torna-se difícil. Talvez com o próximo cliente tenham mais sorte...

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Domínio

Quem tem carta de condução, lembra-se decerto do início, quando as mudanças ainda faziam alguma confusão e obrigavam a pensar um bocado. Depois, é um processo que se automatiza e permite-nos fazer outras coisas em andamento: ouvir música, comer ou falar ao telemóvel, por exemplo.
Com a língua, julgo que é idêntico. O uso da nossa língua materna é natural e permite-nos exprimir na totalidade o que queremos, o que sentimos, jogando com as palavras, introduzindo matizes. Quando temos de nos expressar noutra língua, se não a dominamos totalmente, é como meter as mudanças no início da experiência de condução: é preciso pensar, e isso demora algum tempo. Atrasa-nos, torna menos fluída a comunicação, limita-nos. E é um factor de stress, sentir que não conseguimos explanar tudo o que gostariamos.
Paradoxalmente, o que sinto é que as minhas restrições na expressão verbal, acabam por influenciar sobretudo a linguagem não verbal. Comunicar não é um problema; comunicar como gostaria, ainda o é. Mas já falo ao telemóvel!

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Valor acrescentado

Como é que uma nota de 10.000 FCFA pode valer mais do que outra de 10.000 FCFA? Sendo mais nova!
Parece a brincar, mas não é. As notas que são novas valem um bocado mais do que as outras, mais velhas e gastas. Sobretudo para serem usadas como prenda em cerimónias, tipo casamentos. É verdade que têm o mesmo valor facial, mas as pessoas acrescentam-lhe o valor da aparência.
E assim se gera um mercado, aparentemente do nada! Na rua, vários homens de saco a tiracolo trocam dinheiro: dólares americanos, FCFA e euros em qualquer combinação, e ainda FCFA velhos por FCFA novos. Nunca em tal tinha pensado!

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Mel

O meu vizinho, o Sr. Jacques, é simpático. Hoje cheguei a casa e tinha uma garrafa de 1,8L cheia de mel, que ele me ofereceu. Ainda não provei, mas de certeza que é bom. De certeza também que não passava numa inspecção da ASAE.
Conheci o Sr. Jacques numa viagem no elevador, e desde aí falamos mais uma ou duas vezes. Deu para saber que ele é um apreciador de fado, e conhecedor de Amália Rodrigues.
Esta noite tentei retribuir o gesto, oferecendo-lhe um cd da Mariza. Mas não estava ninguém em casa, tentarei noutra altura. Por enquanto, vou aproveitar a oferta e provar o mel de abelhas africanas.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Relato

Eu sempre gostei de ouvir os relatos de futebol na rádio. Influência do meu pai, com certeza, que achando os jogos sempre um bocado lentos e com comentários enfadonhos, costumava acompanhar as transmissões televisivas com as radiofónicas, onde um brasileiro da rádio "Festival" ressuscitava jogos. Esta é uma técnica que hoje não funciona, já que desde a introdução da tecnologia RDIS na rádio (pelo menos, coincidiu), as duas transmissões passaram a estar irremediavelmente desfasadas.
Mas aqui não tenho televisão. Por isso, o meu directo pode estar uns minutos atrasado que não me faz diferença. E cá vou eu, acompanhando pela rádio alguns jogos de futebol. É certo que já não é em português com açúcar; é certo que acho sempre que há uma conspiração contra o meu clube; mas também é certo que me continua a dar prazer ouvir um relato de futebol. Acho que é um pouco como um livro: permite-nos imaginar. E conhecendo o campeonato português, a imaginação dá muito jeito!

domingo, 21 de setembro de 2008

H3

Na continuidade do meu "sábado desportivo", ontem durante a tarde fui até Bingerville para participar no Hash de Abidjan.
Não conhecia esta associação ou, como eles se definem, esta filosofia. Basicamente, é um grupo semi-organizado, que se junta em locais diversos para fazer um percurso. Há quem o faça a correr, há quem o faça a caminhar. Está aberto a quem quiser participar, seja novo ou velho, homem ou mulher, português ou chinês, gordo ou magro.
É um momento sobretudo de convívio, com desporto associado e alguma cerveja. Sim, porque o início do Hash House Harriers, que agora existe por todo o mundo, remonta a 1938 em Kuala Lumpur e está associado a um excesso de álcool.
Ontem não foi um percurso muito difícil. É verdade que teve algumas subidas mais íngremes, mas nada de inultrapassável. Foram 10 kms bem passados, a caminhar porque a manhã tinha sido inteiramente dedicada ao futebol. Por isso, apesar de algumas dores nas pernas, este é um programa certamente a repetir!

Unidos pelo desporto

Do desporto, além de fazer bem à saúde, é dito que quebra barreiras, une as pessoas. Sejam os Jogos Olímpicos de Pequim, o Campeonato do Mundo de futebol na África do Sul, um jogo entre Alemanha e Polónia durante o Campeonato Europeu, é conferido ao desporto esse dom de aproximar os pólos mais distantes.
Pela primeira vez desde que aqui estou, hoje fui jogar futebol. Fui com um amigo, jogar com um grupo em que não conhecia mais ninguém. Mas isso não é importante, quando a bola começa a rolar. Não é preciso saber pronunciar bem o nome dos que jogam connosco, não é preciso que consigam dizer o nosso nome. Basta jogar, e encontrar no jogo um objectivo e vontade comuns. Nesse momento, alguém pensa porque é que está um branco ali no meio? De onde apareceu? Onde mora ou onde trabalha? Não! Vê apenas se faz bons passes, se abre espaços, se faz faltas, se marca golos. Vê que se esforça, sua, corre e cai como qualquer outro. É como fazer um reset nas ideias, voltar ao básico, deixar cair preconceitos.
É por isso que o desporto une. Baralha e volta a dar, mistura-nos com outras pessoas e mostra-nos que podemos ter coisas em comum. No final, estamos todos cansados e a precisar dum banho. Nem mais, nem menos.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Chuva

Ontem choveu muito. Terá sido um dos dias, senão mesmo o dia em que mais choveu desde que aqui estou, e isto apesar de já estar no fim da época das chuvas. E ontem até incluiu trovoada, mas à distância.
Sendo verdade que choveu muito, não foi nada que nunca tivesse visto, e não durou muito tempo. Foi no entanto suficiente para criar rios onde antes existiam estradas, lagos e piscinas onde antes existiam buracos e crateras. E quando me refiro a rios e piscinas, falo de água que chegava a meio da porta dum carro.
É mais um sinal do tanto que há para fazer. Porque o escoamento das águas não é o melhor, e de cada vez que chove um pouco mais, zonas da cidade ficam inacessíveis, as pessoas não podem ir trabalhar, pedaços da cidade páram porque ficam isolados.
Ainda hoje lia num livro que cada vez mais controlamos o nosso ambiente de modo a podermos continuar normalmente as nossas actividades, seja com ar condicionado, aquecedores ou afins. Há que incluir as sarjetas e sistema de escoamente de águas pluviais nessas ferramentas de controlo, e agradecer-lhes por nos manterem os pés secos.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Malária

Julgo que nunca aqui escrevi sobre os mosquitos, apesar de ser um tema incontornável. Numa região em que a malária é endémica, o mosquito é um inimigo muito claro. Por mais hilariante que seja ver a luta entre homem e mosquito (sobretudo se o convívio for dentro dum carro), a verdade é que qualquer vontade de rir passa no momento que nos lembramos dos números associados a esta doença.
Saídos da consulta do viajante, vimos com indicações para andar com o corpo coberto, fazer a profilaxia, dormir com mosquiteiro e renovar a camada de repelente de duas em duas horas. Mas isso é ser escravo da doença. Pior, é ser escravo da ideia da doença, da doença que ainda não o é. E eu não consigo.
Assim, faço a medicação da profilaxia e, se puder, elimino um ou dois mosquitos. O repelente nunca usei, e o meu mosquiteiro é a altura: os mosquitos não voam até ao 14º nem sabem usar elevador.
Claro que não estou livre de apanhar malária. Nessa altura, terei de recorrer ao vasto arsenal de armas químicas presentes no mercado e esperar que passe.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Vizinhos

Entre os meus vizinhos, conto com uma mesquita. Muito grande, em tons de amarelo e azul, ainda em construção mas já em funcionamento. E que funcionamento! De cada vez que há uma celebração, e sobretudo à sexta-feira, instala-se o caos. À porta da mesquita monta-se uma autêntica feira de produtos religiosos; uma boa parte dos pedintes de Abidjan concentram-se ali; os vendedores de ocasião também; e de tanta gente, o trânsito pára.
Assim, já por duas vezes o engarrafamento era tal na minha rua (daqueles absolutamente imóveis, em que as pessoas saem dos carros para ir ver o que se passa), que tive de abandonar o carro a alguma distância e percorrer o resto do caminho a pé.
Sem pretender faltar ao respeito a ninguém, esta é uma outra forma da religião ter impacto na nossa vida.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Camiões

Um camião, por si só, já é um objecto imponente. E independentemente da carga, em Portugal estamos habituados a chamar camião ao que na realidade é um camião mais a mercadoria. Aqui, geralmente a sobrecarga é tal e tão visível que nem sei se hei-de chamar "áquilo" um camião de carga ou uma carga com um camião...
A verdade é que me parece que em muitos desses casos estou perante verdadeiras obras de arte, de autêntico equilibrismo. Sabem aquele jogo de ir colocando um pedaço de madeira à vez, a ver quem faz tombar a torre? Eu acho que aqui deve ser idêntico, mas com camiões e sacos muito pesados. Frequentemente surgem verdadeiros muros, com metros e metros de altura, aparentemente sem grande suporte. A verdade é que nunca vi um saco desses cair... apenas quando o próprio camião vira, o que não é tão raro assim.
E isto deixa-me a pensar qual será o limite. Em Portugal é fácil: ou é volume ou é peso. Mas aqui não sei. É quando alguém decide? É quando acaba a carga? É quando sabem que vão passar um viaduto que tem uma certa medida? É quando o empilhador não chega mais? Afinal, se o camião ainda anda, porque não juntar mais um saco ou outro?

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Calor

Estou cansado. Tem sido assim em muitos dias. Chego à noite e sinto-me sem energia, apetece-me dormir.
Acho que ainda é uma adaptação ao calor e à humidade. Quando se está de férias, é bom. O calção e a havaiana ajudam a tolerar, e nas férias nem importa que andemos um pouco letárgicos. Mas quando se trata de trabalhar, já o caso muda de figura. Para isso prefiro o frio, mas é uma preferência que terá de mudar. É que o calor aqui vai começar a apertar ainda mais, até ao pico que será por volta de Fevereiro.
Lembro-me perfeitamente que as épocas que eu mais gostava, quando era pequeno, eram as de transição. Chegava ao fim do verão a ansiar o inverno, e vice versa. Não que adorasse o frio ou o calor, mas sim porque me fartava de ambos ao fim de algum tempo. Agora esse sentimento é mais controlado, mas um friozinho já vinha a calhar.

domingo, 14 de setembro de 2008

Morcegos cosmopolitas

Para quem não usar relógio nem conseguir ver as horas pelo sol, há em Abidjan um outro indicador de tempo. Todos os dias, entre as seis e as seis e meia da tarde, começa um espectáculo surpreendente. Das árvores de uma zona mesmo no centro da cidade, esvoaçam milhares, dezenas de milhar, centenas de milhar de morcegos, que partem em procura de alimento durante a noite. Segundo me dizem, estes morcegos fazem cerca de 400 kms para norte todos os dias. E voltam, para repetirem no dia seguinte. E no outro, e no outro, e sempre. Eu não conheço a sua etologia (nem a espécie), mas hei-de informar-me, para conhecer um pouco melhor esta grande porção da população de Abidjan.
E não pensem que exagero quando falo em centenas de milhar. É quase inacreditável a nuvem que de repente vemos a sobrevoar a cidade, a deslocar-se numa mesma direcção, num corredor aéreo que parece muito bem definido.
O que será que estas árvores no centro de Abidjan têm de especial? Porque razão passam os morcegos o dia numa cidade barulhenta e poluída, para depois ainda terem de fazer quilómetros para encontrar comida? Devem ser morcegos cosmopolitas.

sábado, 13 de setembro de 2008

Onde começa a educação?

Na mensagem de hoje vou revelar uma ideia que me vem perseguindo há já algum tempo. E se o faço é porque já não a acho tão descabida como antes.
Uma das imagens mais marcantes daqui é a das mulheres com os filhos às costas, envolvidos e suportados por um pano baoulé. Ora, os nossos tempos de bébé são alturas com uma curva de aprendizagem muito acentuada, em que a estimulação é muito importante. Música, jogos, interacção, tudo é importante para o desenvolvimento das capacidades cognitivas duma criança. Mas aqui os bébés passam os dias pendurados nas costas das mães. Se olharem para a frente, nada vêem senão as costas da progenitora. Olhando para o lado, vêem o que já chegou, nada antecipam, aceitam o quadro que lhes é desenhado. Eu quando ando num autocarro ou no metro virado de costas para a direcção do movimento, tenho sempre a sensação de estar a olhar para o passado, para o que já foi sem que eu previsse a sua chegada. Nada posso fazer, nada controlo, nada influencio. É como estar atrasado em permanência.
Agora imaginem o que será isso para um bébé. Quando está a preparar o futuro, não vê senão passados. Não será que isso mata a imaginação, mirra a curiosidade, destrói a capacidade de abstracção?
Como comecei por dizer, esta é uma ideia que me tem perseguido desde há algum tempo. Não sei se a acharão completamente parva, mas a verdade é que nunca por cá vi um bébé com aquele olhar de quem está a sorver o mundo. Na maioria das vezes estão a dormir. No entanto, se esta ideia tiver algum fundamento, o início da educação aqui poderá passar por carrinhos de bébé.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Panela de pressão

Acho que descobri o que provoca o calor aqui. E não é a posição geográfica, equatorial do país. É um problema de pressão.
Uma grande parte das pessoas não trabalha enquanto não se sentem apertadas. Não percebo muito bem porquê, mas por norma é preciso chegar ao ponto de fazer algum tipo de ameaça para que os problemas sejam resolvidos, para que os faxes sejam enviados, para que as coisas sejam feitas. O mais curioso é que nem quando é do seu interesse são mais despachadas. Deixam andar até que tenho de ligar, dizer que estou farto de esperar, que vou mudar de rede ou de comercial, ou qualquer outra coisa para que haja um desenvolvimento. Que normalmente é rápido e simples, o que deixa por perceber o porquê do atraso.
Assim, chego à conclusão que uma grande parte desta gente só trabalha sob pressão. E se muita coisa vai sendo feita, é porque há muita pressão. E subindo a pressão, sobe a temperatura!!
Eureka, Abidjan é uma panela de pressão! O que justifica o calor e, já agora, a humidade também.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Fininho

Há dias em que as coisas correm mal e nos deixam incomodados, algo abatidos. Hoje foi um desses dias e é nestas alturas que mais sinto falta de algumas pessoas e alguns lugares (ou a sua combinação).
Existem as mais variadas formas de descontrair e cada um tem as suas. Comigo o desporto, um fino ou um café em boa companhia (ou apenas a boa companhia) funcionam bem. Mas aqui e por enquanto, não tenho nenhum desses escapes, o que me provoca esta sensação de falta.
No entanto, este tipo de situações também tem vantagens, porque me conduz a um processo interno de procura de erros e falhas, permitindo melhorar. Pelo menos assim espero. Mas a verdade é que me apetecia mesmo um fininho...

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Cilindro

Nem quero acreditar, mas é verdade: tenho um cilindro novo! É certo que ainda está pousado no chão, mas acho que agora o processo não pode parar.
Após muitas chamadas e, nos últimos dias, umas visitas à agência, lá vieram arranjar o que lhes compete. Quer dizer, vieram trazer o material e amanhã irão montar o cilindro. Mas eu só acredito quando sentir água quente a sair da torneira da cozinha.
Parece-me que a senhora que me alugou o apartamento já não trabalha na agência. Só não percebo porque não o disseram mais cedo, sempre tinham evitado que estivesse sempre a perguntar por ela. Por outro lado, penso se terei tido alguma influência na sua saída. Afinal, não me escusei a apontar a sua incompetência. Qualquer dia, ainda vai o sr. Fian também!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Caber nas calças

Acho que vou engordar, aqui. Pelo menos, tudo se conjuga para tal. Gosto da gastronomia local (ainda que sem pimento, que continuo a achar que é tentativa de homicídio). E não faço exercício. A minha sorte é que não sou de engordar muito, pelo menos por enquanto.
No que à comida diz respeito, não sou muito esquisito. Aliás, já me tentaram pregar pequenas partidas, nomeadamente com caracóis do tamanho de bolas de golfe, mas não passou da tentativa; e gostei. Do foutou gosto mais do que muitos dos nativos, e até já me tiraram uma fotografia por não ser o mais comum verem um estrangeiro a comer tal prato. Resumindo, não me faço rogado.
Quanto ao exercício, não tenho feito nenhum. É certo que é uma questão de disciplina, mas ainda estou na fase de avaliar se os benefícios serão mais do que as desvantagens. É que de cada vez que vejo aquela nuvem de fumo, fico confortado a pensar que dois pulmões valem mais que uns quilos.
A verdade é que me começo a sentir um bocado enferrujado e irrita-me não praticar desporto, fruto de anos e anos em que o fiz entre frequentemente e muito frequentemente. Mas pelo menos as calças ainda me servem.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Negociações

Que tudo seja negociável, até acho uma certa piada. Que me tentem sempre cobrar mais do que o normal, também não me chateia. Que já fiz bons e maus negócios, aceito. Agora, não suporto é quando se fazem espertos e tentam meter-me a mão ao bolso.
Ontem à noite fui jantar com um amigo americano. Apanhamos um táxi perto de minha casa e logo ali discutimos o preço, porque já sei que o taxímetro é enfeite. Pouco depois de estarmos em andamento, algo se passou na cabeça do taxista que começou a renegociar o preço, em alta evidentemente. Recusei, porque não me pareceu de bom tom. Ao ver que realmente eu não iria dar-lhe mais dinheiro, passou ao plano B: "vou então parar aqui na bomba para meter um bocadinho de gasolina...". E não é que entrou mesmo na bomba de gasolina? Vi-me obrigado a dizer-lhe que caso ele parasse realmente o carro, nós saíamos ali mesmo do táxi, não lhe pagava e apanhávamos outro. Contrariado, lá continuou o caminho.
Há aqui muitas pessoas que dá vontade ajudar. A muitas já paguei mais do que o combinado inicialmente. A outras, negociei até um preço mais baixo, e depois aceitei outro mais elevado. Mas uma negociação é uma troca de alternativas, que chega a ser divertida. Com alguns dos mais duros negociadores de rua acaba por se estabelecer uma relação engraçada, porque é daquilo que estão à espera. Mas não suporto que me tirem as opções, que me tentem obrigar a fazer alguma coisa.
Ao taxista paguei o que tinha combinado à minha porta. Nem mais, nem menos. Ainda por cima, tinha o depósito cheio!

domingo, 7 de setembro de 2008

Despedidas

As despedidas são momentos delicados. Não falo daquelas despedidas do quotidiano, do até amanhã ao fim da tarde. Falo das despedidas de alto envolvimento, das despedidas em que o até breve traz consigo o peso de alguns meses.
Apesar de serem alturas mais do que definidas, com datas de viagem marcadas, confesso que nunca chego ao momento verdadeiramente preparado. E mesmo com pessoas com quem tenho confiança, acabo por ficar sem saber o que dizer. O que me vale é que julgo que não sou o único: não conheço ninguém que goste de despedidas, e desculpem-me mas vou desconfiar de quem me disser que sim.
No entanto, este tipo de momentos acontecem de vez em quando e parece-me que nunca vou gostar muito deles. Simplesmente aceito-os, com alguma resignação. O que faço a seguir é que já é mais do meu controlo. E então penso no próximo encontro, treino o olá seguinte! É a minha forma de ultrapassar as despedidas, apesar de pontualmente ter uns momentos de rebound.
Agora vou parar de escrever que já tenho um próximo encontro para antecipar!